O objetivo dessa série é dar visibilidade para aqueles que a sociedade sempre tentou tornar invisíveis. Assim nasceu a série Nossas Riquezas Pretas de Juiz de Fora. O #NossasRiquezasPretasJF é um projeto antirracista do Instituto Autobahn que visa destacar os expoentes negros do município de Juiz de Fora e legar exemplos positivos de sucesso para as futuras gerações. Iniciado em 2023 com o formato de coluna na RCWTV, a reportagem #001 foi sobre Carina Dantas, #002 Antônio Carlos, #003 Geraldeli Rofino, #004 Sérgio Félix, #005 Fernando Eliotério, #006 Maurício Oliveira, #007 Ademir Fernandes, #008 Gilmara Mariosa, #009 Batista Coqueiral, #010 Cátia Rosa, #011 Eliane Moreira, #012 Antônio Hora, #013 Ana Torquato, #014 Alessandra Benony, #015 Sil Andrade, #016 Joubertt Telles, #017 Edinho Negresco, #018 Denilson Bento, #019 Digo Alves, #020 Suely Gervásio, #021 Tânia Black, #022 Jucelio Maria, #023 Robson Marques, #024 Lucimar Brasil, #025 Dagna Costa, #026 Gilmara Santos, #027 Jorge Silva, #028 Jorge Júnior, #029 Sandra Silva, #030 Vanda Ferreira, #031 Lidianne Pereira, #032 Gerson Martins, #033 Adenilde Petrina, #034 Hudson Nascimento, #035 Olívia Rosa, #036 Wilker Moroni, #037 Willian Cruz, #038 Sandra Portella, #039 Dandara Felícia, #040 Vitor Lima, #041 Elias Arruda, #042 Bruno Narciso, #043 Régis da Vila, #044 Claudio Quarup, #045 Wellington Alves, #046 Lucimar Silvério, #047 Paul Almeida, #048 Negro Bússola, #049 Zélia Lima e #050 Paulo Cesar Magella.
Por Alexandre Müller Hill Maestrini
Quase ninguém conhece Tânia Aparecida Moreira pelo nome completo, mas Tânia Black é conhecida como uma educadora e pedagoga importante no cenário de Juiz de Fora: “meu nome de guerra é Tâniaafro em um mundo que milhares de negros não sobreviveram eu luto pela nossa gente”. A caçula de cinco irmãos, Tânia nasceu em 09.03.1958 no Município de Conselheiro Lafaiete – MG, na zona metalúrgica de Minas Gerais. O pai Raimundo Moreira era um negro retinto, funcionário ferroviário da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) e a mãe Maria Madalena Moreira era do lar. Tânia contou que ambos os pais não tiveram a possibilidade de estudar e tinham somente o primário incompleto: “mas mesmo assim conseguiram despertar em mim a vontade de estudar”. Eles sempre quiseram e lutaram para que os filhos vencessem na vida através do estudo. Graças aos pais, a menina que gostava de ler e não era muito fã dos serviços domésticos achou seu caminho: “percebi que se eu estivesse lendo minha mãe não me mandava fazer serviços domésticos”, sorriu. Foi aí que Tânia se aprofundou cada vez mais nas leituras: “eu lia tudo que podia, de gibis, jornais até livros”.
Tânia fez questão de falar em forma de pergunta: “e negro tem genealogia?”. Ela mesmo respondeu que: “preto tem somente ancestralidade” e com carinho citou seu ídolo Martin Luther King que disse: “Hoje eu tive um sonho”. Sonho que Tânia leva para sua vida prática. Típica consequência do apagamento da negritude em nossa sociedade brasileira racista por dentro e europeia por fora, de sua ancestralidade Tânia não tem conhecimento, tão pouco da miscigenação anterior: “sei que sou de família preta na sua essência”. Mesmo sem muito conhecimento do passado, ela hoje já deixa um legado para seu filho, sua neta Marianna Nascimento Moreira de 4 anos e seu neto José Emmanuell Nascimento Moreira de 8 anos. Quando nasceu Tânia só tinha avó materna: “ela era muito severa que não dava espaço para brincadeiras e conversas”. Nessa época seus avós paternos já tinham falecidos. Como a mãe tinha sido registrada somente pela avó de Tânia: “não conheci nada sobre meu avô materno”, além disso sua avó materna nunca deu abertura para perguntar. Dos seus doze tios, todos muitos humildes e pobres, Tânia só conheceu dois. A união familiar não era uma característica conhecida por ela: “sei que uma parte está em Itabirito, Conselheiro Lafaiete e Lamin em Minas Gerais e outra em Mogi das Cruzes - SP”.
Para Tânia família sempre foram os pais, os irmãos e hoje o filho e os netos. Atualmente Tânia se tornou a matriarca para a família e para os sobrinhos e sobrinhas que a apoiam em tudo e a tem como referência, exemplo de sucesso e ídolo. Hoje Tânia é quem reune e congrega a família em torno dela. Na foto acima esquerda sempre promovendo encontros de sobrinhos Wesley, Hudson, Tânia, Wiara, Luciana, a cunhada Vera viúva do seu irmão Hamilton, o sobrinho-neto Juan, Rayane, Serginho. Na foto acima a direita, Tânia ladeada e paparicada pelas sobrinhas Wiara, Windira e Luciana, que são como filhas. Sua liderança é contagiante!
Em 1968, Tânia tinha apenas dez anos quando o pai foi transferido para Juiz de Fora. Nesse ano a Rede Ferroviária tinha inaugurado a SR-3 (Superintendência Regional de Juiz de Fora) na cidade de Juiz de Fora (hoje é sede da MRS Logística), que servia aos estados de MG, RJ, ES e parte de SP. Tânia cita Ad Júnior e o fato de ter vindo parar em Juiz de Fora, a terceira cidade mais racista do Brasil. Como era muito pequena, ela não tem referências da cidade natal e se considera completamente juizforana. A família foi morar na rua Tereza Cristina no Bairro Mariano Procópio, mas com poucas condições Tânia foi para a quarta série no Grupo Escolar Antônio Carlos perto de casa. Quando criança Tânia se lembra da questão capilar: “como toda mulher negra, a gente colocava uma toalha no cabelo para fingir que era cabelo longo, fazia chapinha e usava o pente quente com vaselina”. Ela contou que o que mais doía eram os apelidos como cabelo de bombril e cabelo pixaim.
Depois passou na seleção para a Escola Estadual Sebastião Patrus de Sousa, na rua Ouro Preto, no Bairro Santa Terezinha, onde estudou da quinta até o sétimo ano. Ela amava estudar, mas passou por muito racismo e importunação de alguns alunos: “eles me esperavam na ponte de Santa Terezinha sobre o rio Paraibuna, bem antes da escola e me seguiam com provocações e rebaixamentos”. Era um racismo humilhante: “eles ficavam me chamando de chiclete de onça”. Por pouco a menina acanhada Tânia não desistiu de ir para a escola por conta desses colegas de turma Geraldo, Tânia e Adilson: “por sorte eu via uns outros grupos de alunos e me enfiava no meio pedindo socorro”, mas ela se calava, pois achava que nada adiantaria.
Quando passou para a sétima série os pais se mudaram para o Bairro São Mateus, zona sul do município e a escola agora: “era lá do outro lado da cidade, muito longe para uma menina como eu”. Nessa época a mãe queria convencer Tânia de largar de mão essa moda de estudar: “você já estudou o suficiente e eu não quero ficar gastando dinheiro com o ônibus”, pois o caminho aumentou e seria mais de uma hora andando para lá e de volta pra casa. Porém Tânia já estava decidida a percorrer os 58 minutos andando a pé pelos mais de quatro quilômetros de caminhada: “eu acordava bem cedo e ia andando e na volta vínhamos com os colegas juntos até o Bairro Manoel Honório e eu seguia sozinha pela Av. Rio Branco até São Mateus”. Nada faria com que ela desistisse, assim a mãe percebendo a firmeza de propósito da menina passou a dar uma passagem de ônibus por dia: “aproveitei para dormir mais, ia de ônibus e voltava andando feliz da vida com os amigos”.
No final da sétima série, em 1971, Tânia escutou que o deputado estadual Amilcar Padovani era o homem das bolsas de estudo: “fui lá no escritório dele na Avenida dos Andradas e pedi uma bolsa”, comentou decidida. Como sabia que a mãe não perderia tempo para ir pedir a bolsa, Tânia convenceu o deputado a enviar um secretário para ir até a casa dela pegar a assinatura da mãe. A ousadia rendeu frutos, no final do ano ela conseguiu a sonhada bolsa parcial e foi para a Escola Euclides da Cunha no Bairro Alto dos Passos, onde estudou por dois anos até terminar o oitavo ano: “fui muito feliz nessa escola, estudava, jogava queimada e muitos esportes”, com isso Tânia foi se destacando e no Intercolegial ganhava tudo e aparecia muito nos jornais. De olho no talento esportivo o Colégio Cristo Redentor / Academia de Comércio a convidou para ir estudar lá com bolsa integral. Mas a surpresa foi descobrir mais tarde que foi pelas mãos de Plínio Cesar Mansur que Tânia pode estudar: “eu não tinha bolsa nada, era ele quem pagava tudo e hoje sou eternamente grata a esse homem que é o meu anjo na terra”, comentou emocionada.
Em novembro de 1975 foi inaugurada a principal alteração na Rua Halfeld, surgia o Calçadão, que transformou a parte central da rua em área exclusiva para pedestres: “me lembro que o Calçadão não era considerado lugar de preto”. Os pretos se concentravam em frente ao Teatro Central em atitude de defesa: “pois se nós negros ficássemos juntos os brancos não mexeriam com a gente”, assim esse local ficou pejorativamente conhecido como “Planeta dos Macacos”. Esse é o maior rancor de Tânia com os brancos racistas. Ela não frequentava o baile na Casa D´Italia: “eu era louca pra ir, mas minha mãe não deixava”, mas seu irmão e os amigos contavam que tinham apelidado o baile também como “Planeta dos Macacos”. Para ela combater o racismo estrutural será uma longa e difícil luta: “que só venceremos com estudos”, profetizou.
Como a maioria das famílias negras, a de Tânia também não tinha muitos recursos para gastar com fotografias. Sobraram apenas algumas, como na foto abaixo a esquerda seu pai Raimundo Moreira sentado com Marta a mulher do seu irmão Jorge Sérgio Moreira e o próprio Jorge. Na foto central uma raridade, da esquerda para direita a sobrinha Luciana, Tânia, a mãe Maria Madalena com o pai Raimundo Moreira, o filho Roginner, a irmã mais velha Gilda e agachado o irmão Hamilton. Na foto a direita Tânia com a mãe, Gilson e Gilda.
Nessa época de seus sucessos esportivos no atletismo, Tânia teve a felicidade de conhecer o radialista da Rádio PRB3 Cláudio Temponi (falecido em 2005): “foi ele quem me arrumou um emprego no Café Apollo de promotora degustadora de café e me aconselhava a continuar os estudos”. Quando ela vencia nas competições Temponi destacava com especial carinho os feitos de Tânia, além de inseri-la nas páginas do Diário da Tarde e do Diário Mercantil. Pelo sucesso nos esportes Tânia nunca sentiu racismo dentro da Academia de Comércio: “mesmo sendo a única aluna preta na minha época eu era tratada com muito respeito”. Nessa época ela se lembra de sempre ter sido chamada para sair e para ir nas festas nos carros dos amigos brancos: “era o grupo da escola que me protegia e me blindava”. Naquele lugar Tânia rezava para o tempo não passar e poder aproveitar mais: “foi um aprendizado incrível de conquistar as coisas por mim mesma e aprendi a andar com a cabeça erguida”.
Em 1976, ao terminar o Curso Profissionalizante de Processamentos de Dados na Academia de Comércio, Tânia com apenas dezoito anos e magrinha com somente quarenta e oito quilos, já estava noiva, decidiu se casar e foi morar em São Paulo. Dois anos e meio depois, voltou para Juiz de Fora com poucas histórias positivas do casamento, mas com um lindo filho de colo Roginner Fernando Moreira Cristiano, nascido em 1978 e hoje graduado em Enfermagem pela UFJF em 2004 e pós-graduado em Saúde da Família e Comunidade na Faculdade de Ciências Médicas de Juiz de Fora em 2008 (fotos acima). Ela se separou em 1981, com seus poucos vinte e três anos de idade. A vida dela seria mesmo no vale do Rio Paraibuna para dar uma educação de qualidade ao seu filho: “voltei com muito aprendizado e me sentindo um gigante interior saindo de um casamento que foi um fracasso total”.
Ao chegar na cidade, aproveitou seus estudos secundários e foi cursar o terceiro ano para concluir seu curso de Magistério no Colégio Pio XII: “nessa época apareceu outro anjo, Cacilda Sotto Maior me ajudou a pagar as mensalidades que eu estava devendo para poder me formar”. Tânia expressou sua imensa gratidão com esta família que a apoiou sem precedentes e sem cobrar nada em troca. Em 1985 Tania já morava na Rua Oswaldo Cruz, no centro da cidade e trabalhava na Coca-Cola como promotora de vendas do lançamento da cerveja Kaiser (foto abaixo esquerda) e do refrigerante: “eu mesmo falava que eu era como a Coca-Cola: preta, doce e fresca, mas se me sacudissem eu explodia”, sorriu com bom humor. Nesta época ela deixava o filho com a mãe para poder ir para o emprego, mas logo com a saída da diretoria ela foi mandada embora.
Na foto abaixo e ao centro Tânia em Salvador no monumento ao Zumbi dos Palmares. Na foto abaixo na direita, lembranças do seu querido irmão Jorge Sérgio Moreira em duas fases, seu irmão favorito que morreu aos 58 anos em 2002 de infarto fulminante: “éramos muito colados e ele sempre falava pra mim que se eu estivesse errada ele estaria sempre do meu lado, agora imagina se eu estivesse certa!”, lembrou Tânia do amor da sua vida.
Por ser uma excelente datilógrafa, logo em 1987, Tânia foi contratada pela Academia de Comércio como funcionária nos cargos de auxiliar de supervisão, auxiliar de secretaria, auxiliar de biblioteca, foi para o setor de esportes, ia para a recepção nas épocas de matrícula e se tornou presidente da Associação dos Funcionários da Academia de Comércio (AFAC): “foram dois mandatos onde iniciei minha carreira de lutadora pelos direitos dos trabalhadores”. Tânia conseguiu também instituir um curso de alfabetização para os associados: “eu achava um absurdo termos analfabetos numa instituição de ensino”. Como funcionária da Academia Tânia conseguiu também bolsa integral para o filho do quarto ano até terminar o científico. Depois de 9 anos só trabalhando e sem estudar, no ano de 1988 foi aprovada no vestibular para a faculdade noturna de Pedagogia na Instituição de Ensino CES/JF, com habilitação para Supervisão em 1991, habilitada para o Magistério Superior em 1992 e habilitada para a Orientação Educacional em 1994. Tânia tinha bolsa de 50%, mas lembrou que na época era uma injustiça, pois a UFJF só tinha curso de dia: “e pobre tem que trabalhar o dia inteiro e só pode fazer faculdade de noite”, assim os negros (na sua maioria pobres) precisavam superar mais uma barreira e pagar ou ganhar bolsa de estudos: “é mole?”, perguntou Tânia sem perder o bom humor.
Ao se formar em 1994 Tânia passou a trabalhar pela manhã de 7 às 17 horas no seu emprego na Academia e no período da tarde e noite de 18 até 22:20 horas iniciou sua carreira de pedagoga na Escola Estadual Maria Elydia Rezende, no Bairro Furtado de Menezes, na região Sudeste de Juiz de Fora. Nessa época ela morava no Bairro Santa Efigênia e com a situação melhorando financeiramente Tânia pode começar a pagar as parcelas do seu novo apartamento no Bairro Bom Pastor, comprado com a ajuda do grande José Ventura. Além disso conseguiu um estágio na Caixa Economica Federal para trabalhar no projeto de Crédito Educativo: “passei dois anos trabalhando de manhã na Academia, no horário de almoço na Caixa, de tarde voltava para a Academia e de 17 às 19 horas completava meu estágio na Caixa e depois subia para o CES estudar Pedagogia no período noturno”. Mas ela tinha sede de conhecimentos e em 1996 entrou para a pós-graduação em Psicopedagogia na FERP - Fundação Educacional Rosemar Pimentel - RJ.
Em 1998 o Call Center da Embratel estava chegando em Juiz de Fora e ela foi contratada para aprender o serviço de telefonista para depois ser replicadora dos conhecimentos para a massa de trabalhadores que iriam ser contratados: “nessa época eu trabalhava de manhã na Academia e de tarde na Embratel”. Em três meses foi promovida a supervisora e entrou de licença na Academia por indicação do próprio Ventura, que nessa época ainda não confiava nesse tipo de empresa: “eu era a única supervisora negra”, lembrou. Nas suas andanças pela cidade ela sempre distribuia cartões de apresentação para os negros que ela achava que poderiam trabalhar na Embratel: “eu abordava os negros e perguntava se tinham segundo grau, a maioria nem acreditava que eu estava abrindo as portas para eles”, mas foi assim que Tânia fazia o que podia com a oportunidade que tinha nas mãos. Em 2002 Tânia voltou para a faculdade e escolheu a Faculdade Estácio de Juiz de Fora para uma pós-graduação em Marketing.
Por competência, a lutadora foi promovida diversas vezes dentro da Embratel e foi pela empresa morar em Salvador em 2007. Tânia lembrou com alegria que foi em Salvador que conheceu o bloco carnavalesco Ilê Aiyê, desfilou nesse primeiro bloco afro do Brasil: “aprendi muito com os negros da Bahia conscientes no visual, nas roupas, nos cabelos quando frequentava o Bairro da Liberdade, um pedacinho da África no Brasil”. Na Bahia ganhou também um namorado alemão: “com ele durante muitos anos conheci o mundo e o relacionamento só acabou porque eu não quis mudar para Alemanha”, contou com um sorriso no rosto. Mas Tânia por outro lado se lembra de racismos odientos como ser perseguida por seguranças enquanto vê brancos roubando em lojas, em ser parada na barreira da polícia com seu carro importado enquanto os brancos são deixados passar: “mas o pior é o guarda olhar seu documento e te perguntar se você é realmente a pessoa da foto”, absurdo reclama com razão.
Na foto abaixo a esquerda a irmã Gilda, a sobrinha Jaqueline no colo da irmã Eulina, Tânia e o irmão falecido, Hamilton: “éramos 5 irmãos e este é meu irmão Hamilton que faleceu por complicações da Diabetes”. Na foto ficou faltando só Jorge Sérgio Moreira para completar o quinteto.
Em agosto de 2008 Tânia voltou para Juiz de Fora: “pois não abro mão de morar no meu Bairro Bom Pastor, no meu apartamento próprio, na minha Juiz de Fora e retribuir tudo que recebi”. Mas nesse bairro de classe média alta já sofreu muita discriminação: “as pessoas batem na minha porta e perguntam se sua patroa está”. Em dias de bom humor ela ainda leva na brincadeira e responde que a patroa não está, mas em outras situações ela confronta e pergunta se a pessoa acha que ela não poderia ser a patroa não. Moradora de um bairro de "brancos", Tânia já viveu situações bizarras: “estava lavando o carro e passantes me abordaram dizendo que também gostariam que as empregadas deles lavassem o carro”. Nessas horas Tânia Black emposta seu vozeirão e retruca que ela também gostaria que a empregada dela lavasse o carro: “as vezes o deboche é a melhor arma contra os racistas”, e ela espera que as pessoas desenvolvam um desconfiômetro antirracista.
Decidida a vencer pela educação e pelo saber, no final de 2008 Tânia voltou mais uma vez para a faculdade e novamente escolheu a Faculdade Estácio de Juiz de Fora para sua pós-graduação Pedagogia Empresarial. Tânia afirmou que para o negro é preciso sempre ter uma resposta, pois é duro as vezes ser pego de surpresa quando desce passeando pela rua do seu bairro e uma senhorinha a aborda perguntando se ela conhece uma empregada limpinha como ela pra trabalhar em casa. Ela responde: “eu já estou trabalhando, mas se a senhora me pagar mais do que eu ganho nos meus empregos como coordenadora pedagógica, psicopedagoga e pós-graduada eu vou trabalhar para a senhora”, sorriu com ironia. Ela aprendeu a não levar desaforo pra casa: “precisamos ter segurança no que falamos para desarmar o racista”, e segue dando lições de civilidade quando afirma que: “eu eduquei meu filho para não engolir e aceitar as provocações, pois só o dono da dor sabe quanto dói”.
Mesmo considerando que o município de Juiz de Fora não tenha muitas oportunidades de emprego, especialmente para os pretos: “uma cidade que delega aos negros serviços mais subalternos”, Tânia voltou para fazer a diferença. Mesmo com uma formação acadêmica de peso, a cidade é para ela voltada para a educação, um local estudantil e somente de trânsito dos estudantes, assim: “aqui o dinheiro corre sempre nos mesmos bolsos, isto é, dos brancos, então somos obrigados sempre a ter uma boa relação com quem possa te ajudar”, para ela é a cidade do QI (Quem Indica). Ela se define como uma negona de muita auto-estima e se compara com uma leoa feroz com interior de passarinho frágil: “minha amiga me definiu como um cacto, muito cascuda e resistente, escondendo um interior frágil, mole e cheio de água”, sorriu. Hoje ela sente orgulho de passear e caminhar pela UFJF e ver tanta gente preta nos cursos e se aperfeiçoando: “a UFJF nigeriou”, se alegra e aprecia os negros e as negras correndo atrás de seus sonhos. Tânia defendeu a Lei de Cotas: “os negros entram por cotas, mas só saem formados por competência”, e lembrou que quem não tiver competência não sobrevive ao processo universitário.
Em 2010 a prefeitura a contratou temporariamente por excepcional interesse público para a classe de coordenadora setorial. No ano seguinte Tânia foi chamada para ser coordenadora pedagógica da Escola de Enfermagem da Santa Casa, onde trabalhou sob a maestria da Diretora Marlene Gervásio Silva: “um amor de pessoa muito respeitada na Santa Casa”, mas mesmo com todo ambiente agradável, pediu demissão pelo salário muito abaixo das responsabilidades do cargo. Em 2012 Tânia Aparecida Moreira foi requisitada para ser supervisora pedagógica da Escola Estadual Bernardo Mascarenhas, na região Norte de Juiz de Fora, no Bairro Barbosa Lage, onde desenvolveu a campanha “Tolerância urgente, respeite o diferente”, com o objetivo de conscientizar os alunos e a comunidade sobre a necessidade do respeito ao outro. A iniciativa nasceu da preocupação com o crescimento da violência entre jovens e adolescentes. O projeto visa ao trabalho pedagógico em sala de aula e dependências da escola, onde haverá palestras sobre os mais variados temas, como racismo, dificuldades enfrentadas pelos deficientes físicos, auditivos e visuais, idosos, homossexuais e soropositivos. Ela explicou que: “a violência é fruto da intolerância. Então temos que preparar nossos alunos para aceitarem o que é diferente, contribuindo, consequentemente, com a diminuição dos casos violentos”.
Tânia sempre enfatizou que para o povo negro sobrou a alegria, a dança, o calor humano e a felicidade. Nas fotos abaixo ela representa uma verdadeira resistência contra o apagamento da cultura africana mais do que presente na cultura brasileira. Na foto da esquerda Tânia desfilava como Musa do Bloco do Beco em 2005. Ao lado Tânia nos ensaios de sua querida Escola de Samba Portela no Rio de Janeiro. No meio curtindo um cocar da cultura indígena numa exposição da Casa Cor. A foto da direita foi tirada com a amiga soteropolitana Ana Cláudia Silva que apresentou a verdadeira Salvador para ela e a fez se sentir em casa na Bahia. Durante a entrevista Tânia lembrou que seu segundo nome é Aparecida: “eu gosto mesmo é de aparecer”, brincou com ótimo astral.
Em 2013 Tânia foi designada para ser coordenadora pedagógica temporária da Escola Municipal Professor Augusto Gotardelo, no Bairro Caiçaras, onde conseguiu uma parceria com a Unidade de Atendimento Integrado (UAI), para oferecer à comunidade diversos serviços, como emissão de carteira de trabalho, CPF e identidade. A iniciativa visava contribuir com as necessidades da população e melhorar as condições de acesso aos serviços básicos. Tânia contou que: "a ideia surgiu a partir do momento que percebemos a dificuldade dos pais, que muitas vezes vinham até a escola para pedir documentos que temos arquivados”, eles queriam só tirar uma cópia, pois tinham perdido o documento. Além disso, conversando com os alunos, Tânia percebeu que muitos desconheciam que é necessário ter documentos para facilitar a vida de todos. Isso é um tipo de exclusão social e para mudar o racismo estrutural Tânia sonha com mais negros na política e mais negros em postos de comando e de liderança. Pelo seu bom trabalho em 2014 a Prefeitura de Juiz de Fora recontratou temporariamente Tânia como coordenadora pedagógica e nesse ano a Secretaria de Educação da PJF a chamou também para trabalhar como técnica no recém-criado Comitê de Acompanhamento e Suporte Pedagógico (COMAPE).
Em 2015, durante o governo do prefeito Bruno Siqueira, Tânia foi representante da Secretaria Municipal de Educação no Conselho Municipal para Promoção da Igualdade Racial, sem deixar sua função de coordenadora pedagógica da Rede Municipal. Em 2016 e 2017 foi também chamada a desempenhar a função de coordenadora pedagógica na Rede Municipal. Em 2018 com sessenta anos, ela se aposentou, mas acostumada com muita atividade, não aguentou ficar em casa e a sua própria inoperância: “resolvi entrar no curso de bacharelado em Serviço Social na Faculdade Estácio de Juiz de Fora, no qual me formei como Assistente Social em 2022”. Durante o curso na Estácio Tânia voltou com todo vapor e em 2019 foi trabalhar como coordenadora pedagógica, do mesmo jeito em 2020 quando explodiu a Pandemia de COVID-19 e em 2021 sua vocação era mesmo ser coordenadora pedagógica e ajudar as crianças nas escolas. No vídeo abaixo em 2020 Tânia durante o fechamento e isolamento social: “fiz de tudo para que as crianças continuassem a aprender, brincassem e preservassem suas vidas”.
Depois de formada em 2022 e buscando novos desafios, Tânia foi aprovada para ser servidora do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais - TJMG com o cargo de Analista Judiciário e Assistente Social da 3ª Região – Juiz de Fora. Mesmo assim não deixou de exercer suas funções como coordenadora pedagógica da Secretaria de Educação do Município e em junho desse ano estava designada para trabalhar na Escola Municipal Álvaro Braga, localizada no Bairro Dom Bosco, onde ela idealizou o projeto “Dom Bosco Resgatando Sua Essência”, que teve como objetivo apresentar a história e as raízes do bairro para o público geral, a partir de trabalhos produzidos pelos alunos da instituição (foto abaixo).
O projeto teve início quando foi notado pelos professores que poucos alunos conheciam a história do local em que estudam e residem. Para resgatar a autoestima do Bairro Dom Bosco, a escola sob a coordenação de Tânia decidiu realizar uma série de seis palestras com figuras locais para que estas contassem suas vivências e suas histórias. O primeiro convidado foi o Senhor Agenor, morador muito conhecido do bairro, seguido pelas lavadeiras Olga e Maria, que contaram sobre a formação do bairro e sobre seu trabalho. Posteriormente, a escritora Ellen de Paula Moreira Abreu foi convidada a mostrar seu livro “A mala maluca da vovó Zenilda”. Também foram convidados a professora residente do bairro, Maria Inês, o padeiro Leonardo e três garis que trabalham no Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb) e atuam no Dom Bosco.
Tânia contou que a cada palestra os alunos produziam cartazes com imagens e frases que mostrassem os bairros e representassem as histórias que ouviram. Na exposição, toda a comunidade podia visitar as obras e conhecer mais sobre o bairro que residem. Mas para ela, para mudar o racismo estrutural é função das escolas cumprirem as leis 10.639 e a 11.645 que tornaram obrigatório o ensino da história, da cultura negra e indígena: “mas na prática continuamos erroneamente reverenciando somente a Princesa Isabel e ignorando o Zumbi”. Segundo a educadora Tânia o caminho é longo, mas confessa com frustração: “creio que não serei longeva o suficiente para testemunhar está vitória”. Ela nunca perde uma oportunidade de passar o bom astral, a força e o exemplo para vencer os racismos velados da sociedade. Na foto abaixo a direita ela está como sempre rodeada das sobrinhas-filhas Wiara e Luciana, e na foto a esquerda com a sobrinha-neta Joyce, todas admiradoras de seu exemplo de luta.
Em 2023 como coroação de uma vida brilhante dedicada às crianças, Tânia Aparecida se colocou como candidata a membro do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Juiz de Fora – CMDCA/JF, para o quadriênio 2024-2027. Para ela, caso seja eleita, será uma honra ser conselheira no Conselho Tutelar de Juiz de Fora. Com uma trajetória invejável de muito trabalho e conquistas, a atual coordenadora pedagógica da Escola Municipal Vereador Marcos Freesz no Bairro Eldorado confessou-se admirada: “estou fazendo campanha e me surpreendo como sou conhecida como Tânia Black”. Sua vontade como conselheira é: “passar toda minha experiência para cuidar melhor de nossas crianças, independente da cor da pele, da condição financeira ou crença”.
Durante esta entrevista Tânia deu uma aula de antirracismo: “precisamos lutar para que as balas da polícia não atinjam sempre os negros, pois nossos adolescentes pretos estão sendo dizimados”, por isso ela luta tanto para que os negros estudem e se aperfeiçoem. Ela considera que sua maior obra foi ter sobrevivido como uma negra na sociedade racista brasileira: “jamais desisti, mesmo nas adversidades”. Na filosofia de Tânia Black, hoje com orgulhosos 65 anos e muita experiência, os negros não nasceram somente para jogar capoeira na praça e para desfilar nas escolas de samba: “os negros podem ser doutores e o Brasil está jogando fora talentos como consequência de seu racismo estrutural”, lamentou.
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