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Segunda-feira, 13 de Janeiro de 2025
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Geral

Lidianne Pereira – Iluminando o Afroempreendedorismo

Nossas Riquezas Pretas de Juiz de Fora #031

Alexandre Müller Hill Maestrini
Por Alexandre Müller Hill...
Lidianne Pereira – Iluminando o Afroempreendedorismo
Lidianne Pereira
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O objetivo dessa série é dar visibilidade para aqueles que a sociedade sempre tentou tornar invisíveis. Assim nasceu a série Nossas Riquezas Pretas de Juiz de Fora. O #NossasRiquezasPretasJF é um projeto antirracista do Instituto Autobahn que visa destacar os expoentes negros do município de Juiz de Fora e legar exemplos positivos de sucesso para as futuras gerações. Iniciado em 2023 com o formato de coluna na RCWTV, a reportagem #001 foi sobre Carina Dantas, #002 Antônio Carlos, #003 Geraldeli Rofino, #004 Sérgio Félix, #005 Fernando Eliotério, #006 Maurício Oliveira, #007 Ademir Fernandes, #008 Gilmara Mariosa, #009 Batista Coqueiral, #010 Cátia Rosa, #011 Eliane Moreira, #012 Antônio Hora, #013 Ana Torquato, #014 Alessandra Benony, #015 Sil Andrade, #016 Joubertt Telles, #017 Edinho Negresco, #018 Denilson Bento, #019 Digo Alves, #020 Suely Gervásio, #021 Tânia Black, #022 Jucelio Maria, #023 Robson Marques, #024 Lucimar Brasil, #025 Dagna Costa, #026 Gilmara Santos, #027 Jorge Silva, #028 Jorge Júnior, #029 Sandra Silva, #030 Vanda Ferreira, #031 Lidianne Pereira, #032 Gerson Martins, #033 Adenilde Petrina, #034 Hudson Nascimento, #035 Olívia Rosa, #036 Wilker Moroni, #037 Willian Cruz, #038 Sandra Portella, #039 Dandara Felícia, #040 Vitor Lima, #041 Elias Arruda, #042 Bruno Narciso, #043 Régis da Vila, #044 Claudio Quarup, #045 Wellington Alves, #046 Lucimar Silvério, #047 Paul Almeida, #048 Negro Bússola, #049 Zélia Lima e #050 Paulo Cesar Magella.

Por Alexandre Müller Hill Maestrini

Lidianne Pereira Luz, nascida em 19.03.1986 em Juiz de Fora, começou a reportagem falando que: “meu corpo também conta minha história, mas a cor da minha pele não define quem eu sou, eu sou muito mais que uma mulher negra". Lidianne deixou bem claro que: “sou sim uma mulher preta retinta, trançada, umbandista e agora tatuada”. Atualmente solteira – risos – ela está sempre com roupas de cores alegres e cabelo afro: “estou sempre mudando, amo assim, fico liberta de pensamentos e de críticas alheias”. Ela confessou que para falar de si mesma talvez seja a parte mais difícil para uma pessoa negra, comentou: “pois estamos acostumados a nos conter e não promover nossas qualidades, assim como exaltar nossas lutas e validar nossa trajetória. Mas sei que falar sobre nós mesmos é um legado para posteridade”, agradeceu a oportunidade.
Lidianne ganhou o apelido de Lidi Luz da amiga Carla Porto enquanto cursava Técnico em Eventos No Instituto Federal Juiz de Fora – IF Sudeste em 2019: “adotei o apelido e para a família sou Lili, e para os que chegam em minha vida Lidi”, brincou. O sobrenome “Luz” foi deixado para ela pelo seu pai biológico: “cujo nome prefiro não citar, pois com minha religião entendo que ele faz parte de minha ancestralidade. Mas ainda preciso me libertar de algumas mágoas. Mas está tudo bem, a vida é feita de processos”, comentou emocionada. O que parece somente um sobrenome, é mais do que isso, com seu sorriso fácil e por sua bela trajetória podemos deduzir que ela recebeu uma missão nessa vida: “ser a luz que ilumina o caminho para as futuras gerações de negros e negras”.
Ela e seu irmão do meio são frutos do primeiro casamento da mãe: “a realidade da mulher que lida com homem, violento, agressor e alcoólatra”. Era uma menina de realidade pobre periférica e cheia de limitações: “pode ser um clichê, mas o que vivi dá voz e valida a realidade das famílias pretas nesse país”. Lidianne contou que sua infância foi um período conturbado em sua vida: "tive uma infância muito complicada, porque meu pai biológico como alcoólatra, chegava em casa e batia na minha mãe, e muitas vezes”. Ela se lembrou que: “uma vez ele chegou da rua, e, do nada, levou todo mundo para um quartinho dos fundos. Eu fiquei agarrada nas pernas da minha mãe com meu irmão mais novo no colo, enquanto meu pai batia nela”. Esse foi o dia a dia da mãe durante anos: “vi muita coisa dentro de casa, desde as agressões físicas, mentais e verbais, até a separação”.
Ela tem pouquíssima memória infantil, mas Lidianne foi criada pela mãe Juliete Aparecida Pereira (61) e pelo “pai” Valtencir Lopes da Silva (58): “a palavra padrasto não cabe para esse homem incrível, ele é o meu verdadeiro pai que me deu todo o carinho, apoio, educação e sentido ao que chamo de família e exemplo”. Como a filha mais velha entre os três irmãos Leonardo Diego Luz e Letícia Pereira da Silva, nasceram e foram criados no Bairro Alto Eldorado, em Juiz de Fora – MG: “infelizmente minha história não foge à realidade da maioria dos negros e negras desse país que ousam romper a bolha e transcender para lugares onde somos invisibilizados”, comentou. Em uma família humilde foram criados fortes, corajosos, trabalhadores e honestos: “mas nunca foi fácil para nenhum de nós cinco”.

Lidianne se considera fruto de mulheres fortes, com ênfase na família da mãe: “minha avó materna Maria da Penha Gomes Pereira criou sozinha meu tio Ronaldo Pereira e minha mãe. Já meu avô materno Raimundo Pereira, além de ser viciado em cachaça, era também viciado em jogo de carteado: “minha avó literalmente trabalhou até a morte e sozinha”. Sua avó se separou do seu avô quando sua mãe tinha apenas 8 anos e seu tio 10 anos: “vovó os criou só com a ajuda dos meus bisavós maternos, Julieta Cristina Gomes, dona de casa, e do bisavô, Rosendo Gomes, aposentado na época”.
Para construir a casa onde Lidianne mora hoje: “minha avó virava plantões como auxiliar de enfermagem na antiga Casa de Saúde de Juiz de Fora, onde começou como empregada de serviços gerais”. Batalhadora, ela tinha sido anteriormente lavadeira de roupa e posteriormente trabalhou no Colégio Vianna Júnior e no Hotel São Luiz, todos como serviços gerais: “minha avó só viveu nove meses na casa que lutou anos para construir e veio a falecer por estafa com AVC, aos 42 anos de idade”. Lidianne lamentou que: “infelizmente não pude conhecer essa mulher, mas nasci da filha dela”. Com lágrimas nos olhos, pois com essa entrevista foi a primeira vez que Lidianne mergulhou tão a fundo na sua história familiar: “minha mãe já era casada e tinha apenas 19 anos quando perdeu a mãe, e já tinha crescido sem o pai”. Mas a vida se repete e por isso são importantes exemplos positivos: “minha mãe tinha o sonho de ser mãe, mas também se casou com um homem abusivo”.
Lidianne se lembra que o tio Ronaldo Pereira, trabalhou na Rodoviária, pagou do próprio bolso para fazer seu curso de Letras no CES/JF (hoje Centro Universitário UniAcademia) e se formou como professor: “meu tio foi o primeiro a ter curso superior na família, tinha amor pelo rádio e era radialista na Rádio Nova Cidade”. Pesquisando a fundo para esta entrevista, Lidianne escutou um fato novo para ela: “meu tio Ronaldo veio a falecer aos 33 anos, afogado em uma cachoeira, quando já cursava o mestrado”. Ela falou dele com carinho pois: “foi desse homem que eu herdei o amor pelo estudo e pela leitura e o entendimento que o estudo salva”. Lidianne se mostrou agradecida: “meu tio foi meu suporte até os 7 anos, quando ele desencarnou”, lembrou-se com saudade. Mesmo com tão pouca idade, ela já tinha entendido que a única opção que teria na vida seria estudando: “ele foi para mim o exemplo que eu queria ser, queria seguir seus passos”.
Para não dizer que não contou nada sobre sua família paterno sanguínea, Lidianne contou com olhos marejados que: “meu avô paterno também agredia minha avó”. Apesar de não ter contado com o pai biológico, a mãe dela jamais proibiu os filhos de conviver com a família paterna: “sou a primeira neta, a primeira sobrinha e meu irmão o segundo”. Falar do pai para essa reportagem foi um esforço doloroso para Lidianne, pois ela teve que ir fundo na sua própria história cheia de dores. O que ela sabe de seu pai de sangue é que: “ele jurou que eu não era filha dele, pois um homem que trai é abusivo, sempre acha que o par é igual”. Mas quando Lidianne nasceu ele nunca mais tocou nesse assunto: “na verdade, o homem em questão nunca pagou pensão, assim como nunca ajudou com nada, isso inclui atenção, amor e carinho”. Ela se lembra que sim, ganhavam presentes de aniversário e natal das suas tias paternas: “afinal eram os únicos brinquedos que ganhávamos no ano todo”. Quem na verdade dava tudo era sempre a mãe de Lidianne: “depois que a minha mãe se uniu com meu pai Valtencir, ele também nos deu todo suporte, com nossa criação, não só emocional mas nunca deixou nos faltar nada”.
Lidianne contou que: “fui a única dos netos a conhecer meu avô biológico paterno e eu era muito apegada com ele”. Nas suas lembranças: “eu chegava na casa deles, entrava correndo pela cozinha, tomava bênção da minha avó”: Até hoje comentou: “fiquei habituada com isso, se eu ligar para meus pais 10 vezes, as 10 eu vou querer ser abençoada”. Ela se recorda de ir direto para o quartinho onde tinha um fogão a lenha, linguiça defumando: “e lá estava o vovô fazendo pipas e papagaios”. Apesar de Lidianne ter aprendido muito com o avô paterno de sangue: “recentemente fiquei sabendo que ele foi um homem muito ruim para minha vó e minhas tias”, mesmo assim procura guardá-lo na memória. Depois de muito evitar, Lidianne abriu seu coração na entrevista: “com muito amor vou citar o nome da minha avó paterna de sangue, Antonieta Correa da Luz, essa mulher foi uma guerreira, mas faleceu há uns 2 anos”. Foram alguns acontecimentos que as fez irem se afastando aos poucos: “mas foi comigo que ela disse as últimas palavras da vida dela, já debilitada no hospital”. Quem conhece Lidianne sabe que ela é muito friorenta: “minha vó estava hospitalizada, mas pegou na minha mão e disse que sempre a esquentaria”, lembrou com lágrimas quentinhas escorrendo pela face. A avó materna sabia que o filho dela tinha muitos problemas: “talvez por isso o meu irmão tenha se tornado o xodó da vovó”, sorriu sem ressentimentos.
Apesar de conhecer pouco sua árvore genealógica, como umbandista, acredita nas suas ancestralidades: “impressionante como a gente não conhece nossos antepassados”. Ela foi até ao pai de santo para poder entender a questão do seu pai biológico, e recebeu a explicação que: “as vezes seu pai só passou na sua vida para fazer com que você existisse. Ele te deu a vida para você poder fazer a diferença na vida dos outros”. Ao ser provocada para contar da sua genealogia, Lidianne foi longe e superou a dor: “para a gente que é preto, é muito complexo mergulhar em busca de nossos ancestrais”. Na verdade a labuta diária foi para os negros desde sempre muito dura: “as vezes a gente nem tem tempo pra pensar nisso, pois precisamos viver o presente intensamente para sobreviver”. Ela lembrou também que foi criada para engolir o choro e buscar as histórias foi doído: “se a gente pensar bem, há três gerações para trás a gente era descendente de escravos sim”. Lidianne filosofou que muito provavelmente seus trisavós eram sim escravizados: “não foi me ensinado a olhar para trás”.
Como Lidianne acredita que a ancestralidade também é construída com as pessoas que convivemos: “preciso falar da família enorme que me acolheu, a família Lopes da Silva, do meu pai de criação Valtencir Lopes da Silva, na verdade meu pai”. A matriarca dessa família, a avó Maria da Conceição Lopes, era lavadeira e completou 89 anos no último dia 24.11.2023: “ela tem netos, bisnetos, já perdeu dois filhos, e alguns irmãos”. Maria mora na comunidade mais badalada de Juiz de Fora, no Chapadão do Bairro Dom Bosco: “minha vó Conceição foi casada com José Lopes da Silva, meu avô paterno do coração que faleceu com mais ou menos 60 e há poucos anos atrás”. Meu pai Valtencir é o mais novo de 5 irmãos e a tia mais velha já falecida se chamava Maria Geralda da Silva Lopes”. Os outros tios são José Carlos Lopes da Silva, José Luiz Lopes da Silva (já falecido, o tio Junior) e Valter Lopes da Silva.
De seu pai Valtencir, Lidianne escutou também histórias familiares: “o pai dele não gostava dos filhos brincando, então para brincar, às vezes era necessário fugir”. Para o avô José, primeiro os filhos precisavam manter a rotina, buscar lenha para cozinhar, buscar água, já que não havia água canalizada”. Seu pai adotivo também contou sorrindo de alívio que: “por ser o mais novo foi beneficiado e trabalhou menos que os outros irmãos”. Do papai Lidianne também recebeu a herança oral que: “meu avô era funcionário do antigo DAE (Departamento de Agua e Esgoto), atual CESAMA, ele era muito responsável, apesar de gostar de um golhinho de cachaça”, sorriu.
Seu pai Valtencir, por ser o mais novo, conseguiu estudar um pouco mais, e hoje tem o segundo grau completo concluído. A família de Valtencir é grande e não cabe em uma só foto: “somo 10 netos, 8 bisnetos e 3 filhos vivos”. “Como não amar essa família”, concluiu sorrindo. Quando o papai ficou desempregado, os filhos ajudavam como podiam e a esposa sempre o apoiou: “aos 45 anos papai aproveitou a rescisão e tirou a carteira de motorista. Com 47 anos viu a necessidade de concluir o ensino médio”. Depois o pai foi vigilante e se aposentou aos 53 anos: ele trabalhou 27 anos ininterruptos e se aposentou”. Lidianne confessou que não são perfeitos: “mas tenho exemplos vivos maravilhosos em casa”. Lidianne confessou que sempre foi renitente: “com personalidade forte, por vezes apanhei e muito, minha mãe era de brincar”. Ela agradece muito cada correção que recebeu: “vale lembrar que estamos falando da década de 80, 90, família limitada, onde não havia internet, tablet, brinquedos caros e se houvesse não podíamos ter, então corrigia-se como podia”. Já seu pai Valtencir é um homem da conversa e do castigo: “fui escoteira por quase 10 anos, era minha maior diversão. Então, não ir ao escoteiro era meu maior castigo, além de não poder brincar na rua ou conversar no portão”.
Na foto acima na esquerda com o tio Ronaldo Pereira, no colo do tio seu irmão Leonardo Diego e Lidianne no chão. Na segunda foto Lidianne na festa de 1 aninho, na foto do meio no colo da bisavó materna Julieta. Lidianne explicou que: “toda mulher preta tem sua infância marcada pelo racismo, e isso começa na primeira infância, onde nossa beleza de fato é colocada a prova. A cor da nossa pele, assim como, nosso cabelo afro, o tamanho do nosso nariz e a hiper-sexualização dos nossos corpos que por vezes ainda nem saíram da adolescência”. Ela se lembrou que ainda pequena sofreu com essa questão: “as poucas bonecas eram brancas e ainda hoje não tenho uma boneca preta”. Mesmo brancas, as bonecas da menina Lidianne viviam trançadas: “assim elas poderiam parecer um pouco mais comigo”. Quando a irmã mais nova Letícia nasceu, Luz já tinha quase 11 anos: “fiquei responsável por manter o cabelo dela sempre impecável, e é claro que eu trançava sempre o cabelo dela e faço isso até hoje com muito orgulho”, sorriu.
A menina Lidianne frequentou em sua primeira infância a Escola Municipal Marcos Freesz do pré a antiga 8ª série, localizada no Bairro Eldorado, e fez o 2º grau na Escola Estadual Sebastião Patrus de Sousa , no Bairro Centenário. Mas muitas adversidades ainda estavam por vir: “minha saúde era vulnerável”. Aos 12 anos Lidianne teve uma trombose cerebral: “cheguei em casa sentindo muita dor de cabeça, gritava que minha cabeça ia explodir”. A notícia do AVC hemorrágico sub-aracnoide abalou toda a família: “eu tive uma veia arrebentada na nuca e todas as artérias da minha cabeça incharam”. O Acidente Vascular Cerebral (AVC) acontece quando vasos que levam sangue ao cérebro entopem ou se rompem, provocando a paralisia da área cerebral que ficou sem circulação sanguínea. Ela se lembrou do que o médico disse: “ele não sabia se Lidianne voltaria a andar”.
Ela não podia mesmo andar: “fiquei 17 dias sem tomar banho sozinha, tomando banho de leito. Não podia sair da cama do hospital para absolutamente nada, pois andar não era uma opção. O cabelo dela caiu por causa dos remédios que tomava o dia inteiro: “no dia que eu voltei para casa e fiquei de pé, a sensação era que eu tinha nascido de novo”. Forte como as mulheres de sua ancestralidade, Lidianne se recuperou e voltou a rotina dos estudos: “contrariando as expectativas médicas, sobrevivendo, falando mais que antes e com mais vontade de prosperar”.
Durante um tempo eles passaram por necessidades em casa: “tinha mês que o salário da minha mãe ficava todo na farmácia e aí por vezes comíamos só mingau de fubá, porém essa mulher sempre fazia uma renda extra, ela trabalhou em fábrica, fazia sorvete para vender de porta em porta, bombom, bolo para fora, vendia roupa, já fez facção em casa, bolo para fora, ela cozinha como ninguém, hoje com a cozinha dos sonhos é o lugar preferido da casa, confesso que não herdei essa habilidade das mulheres da família, mas meu irmão sim”, sorriu.

Na foto acima na esquerda Lidianne no colo de sua mãe no aniversário de 3 anos: “minha mãe convidava as crianças e fazia questão de ela mesmo fazer tudo, nunca deixou um aniversário passar em branco. Na foto do meio na formatura da conclusão do ensino médio em 2003, da esquerda para direita, Lidianne de vestido amarelo, na sua frente a tia Maria, ao lado sua mãe e o pai, à frente a irmã mais nova e o irmão ao lado do pai. Na foto acima na direita no seu aniversário de quinze anos com a avó Antonieta Luz e Maria da Conceição. Com uma realidade onde estudar sempre foi a única opção, trabalhar cedo também uma obrigação de sobrevivência: “aos 14 anos aprendi a montar festa infantil. Precisava trabalhar para ajudar no sustento da casa”. Aos 16 anos, no último ano do ensino médio, foi trabalhar de doméstica: “eu estudava de noite na Escola Estadual Sebastião Patrus de Sousa, no Bairro Centenário, e trabalhava o dia inteiro olhando duas crianças, uma de 6 meses e outra de 7 anos”.
Como não era o que ela desejava, aos 17 anos Lidianne foi fazer um curso de Excelência em Vendas da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora – PJF: “todos os dias eu ia a pé do Bairro Alto Eldorado ao Bairro Vale do Ipê, onde era ministrado o curso, para economizar os vales para poder comer alguma coisa no fim de semana; os vales-transporte de papel ajudavam muito”. Em 2003 Lidianne concluiu o Ensino Médio, mas em casa nada melhorou: “minha tia Maria estava muito doente e precisava de fraldas; ela já morava conosco desde a minha idade de 3 meses, e era a rede de apoio da minha mãe. Tia Maria ficou conosco ficou até falecer aos 80 anos”. Diante dessa situação Lidianne começou a trabalhar como trancista e lecionando aulas particulares para as crianças na sua comunidade: “dei aulas para complementar a renda e as pessoas já me viam com esse olhar de prosperidade”.
Como o tio, os pais tinham ensinado que o caminho do negro só mudaria pelos estudos, Lidianne buscou, lutou e conseguiu se matricular num cursinho pré-vestibular gratuito da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora. Sim, ela já começou a ver “Luz” no fim do túnel; com apenas 18 anos sua rotina já era exaustiva e mesmo assim Lidianne resolveu fazer também um curso técnico em informática: “consegui uma bolsa integral para técnico de informática no Colégio Pio XII e logo consegui meu primeiro Estágio no Conselho Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora”. Lá Lidianne conheceu a Cirene Candanda (vídeo abaixo): “não imagina a honra e fortaleza que aquela mulher era”, participou do primeiro Fórum da Saúde da População Negra: “foram sete meses bem intensos e logo fui transferida para o Laboratório Central”.

Sua carreira parecia ir bem e aceitou uma outra oportunidade de estágio no Hospital Monte Sinai, no setor de faturamento e comissão de prontuário: “eu passei somente com o esforço do meu trabalho e estudos”. Para quem acha que os negros precisam se esforçar mais, Lidianne lembrou que: “eu estagiava pela manhã no laboratório, à tarde estagiava no Monte Sinai e de noite estudava no Pio XII. Foi assim por quase dois anos: “fui contratada sem processo seletivo, carreguei o setor nas costas, sendo preterida pela minha gerente da época, até que fui comunicada que eu fazia tudo sozinha, já que o outro estagiário não ajudava muito. Mas essa situação me rendeu um contrato no setor, sem processo seletivo, e antes do meu estágio acabar fui contratada em 2005”.
O estágio no hospital foi terrível e uma das piores experiências que ela passou na vida: “eu estava sendo sabotada”. Como mulher e negra já era difícil, estava onde a maioria dos negros só estão no sub-emprego: “mas uma negra numa posição diferente com apenas 19 anos era mais complicado e senti o racismo estrutural que eu carregava na cor da minha pele”. Saúde mental não era tão abordado: “tive algumas crises depressivas e ansiosas, sensação de insuficiência e dúvidas de quem eu era, mas aprendi a me defender”. Lidianne caiu em depressão: “o embate direto contra o racismo e reafirmação por um lugar diferente me fizeram ter as primeiras crises de ansiedade elencado por uma trajetória de luta incansável pelo correto. Mas hoje sei que a cor da pele não define onde eu quero e posso chegar e a cada geração há uma quebra de barreiras”. Lidianne colocou sua posição quanto ao racismo: “eu não sou racista, eu sou vítima dele”. Ela gostaria que o dia 20 de novembro contra o racismo fosse marcado por pessoas brancas se manifestando: “pois nosso dia antirracista é o ano inteiro e quem tem que falar de racismo e entender o que está acontecendo, é o branco”.
Lutadora, Lidianne prosseguiu com os estudos e deixou o estágio na PJF em aberto: “sempre fui muito boa de serviço e a supervisora me ofereceu minha vaga para retornar”. Porém ela não contava que aconteceria novamente. Escutou o comentário do bioquímico da época: “isso é que dá colocar certos tipos de descendências para trabalhar com a gente”, pois Lidianne tinha faltado um dia e avisado para a chefia da época. Ela diante do comentário racista não se segurou: “se você não está satisfeito com meu trabalho, deveria me levar no RH”, e concluiu: “vai me levar lá por que eu sou negra? Porque a cor da minha pele te incomoda?”. Decidida a mudar e com um trabalho notável, foi convidada a fazer uma entrevista em um laboratório de referência na cidade: “passei na entrevista, lá fiquei por quase 4 anos”. Esforçada, aprendeu muita coisa, procurava saber além: “para ninguém falar do meu trabalho”. Quando seu desgaste atingiu o ápice ela saiu da empresa: “nesse momento eu trabalhava meio expediente e fazia Técnico de Rotinas Administrativas no SENAI. Quando pediu para sair da empresa: “em uma semana já estava empregada em outro Laboratório”. No Imunolab Lidianne aprendeu a faturar, contas, compilar resultados e fez amigos que ela leva para a vida.
Em 2010, Lidianne fez o concurso de Agente de Combate às Endemias: “mas só seria chamada em 2013, quando saí do laboratório”. Lidianne decidiu mudar o foco agora queria fazer um Curso Superior de Comunicação e ser Jornalista: “mas precisava que me despedissem para receber indenização e com o dinheiro pagar a minha matrícula e despesas que viesse a ter no Ensino Superior”. Posteriormente fez o FIES e também é fruto das políticas públicas, pois sem elas, não conseguiria dar continuidade ao ensino superior. Foi assim que finalmente em 2012 ela ingressou para a graduação em Comunicação Social – Jornalismo Faculdade Estácio de Juiz de Fora: “entrei para Faculdade com medo, pois escutava que o mundo acadêmico era onde menos se importam com você, mas descobri que é o lugar onde as pessoas mais se importaram comigo”. Os professores que eu tive me fizeram perceber que eu nunca estava errada nas minhas escolhas. Lidianne encontrou humanidade dentro da academia: “coisa que todo mundo dizia que eu não encontraria em lugar nenhum”. Por isso as pessoas que hoje admira são Tamara Liz, Antônio Hora, Aline Maia e Giovana Castro: “todos negros e meus professores na Faculdade”. Incentivada, já no segundo semestre Lidianne concorreu a uma vaga na Agência Experimental de Jornalismo na Estácio: “trabalhar na Agência foi uma experiência ímpar”. Sua sala era privilegiada, com as politicas públicas em seu auge, havia mais negros que o convencional: “foi onde conheci a minha amiga Fernanda Evarista, Lucas Ignácio, e Rafael Rodrigues, todos negros, e percebemos que ser com cooperatividade vamos bem mais longe do que com competitividade. Somos grandes amigos até hoje (foto abaixo).


Logo ingressou em um projeto de Iniciação Científica da Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora, que resultou em uma participação no Seminário Acadêmico. Durante a faculdade, em 2013, precisava ganhar dinheiro e por sorte foi chamada para ser agente de combate as endemias na PJF: “era uma visão totalmente diferente”. Durante um tempo, seu trabalho era de 6 horas na PJF, onde ela conseguia conciliar com os estágios: “fiz estágio de Endocomunicação na Brasil Center e na Assessoria da Cesama, o melhor e mais humano das lugares que trabalhei”. Desde março de 2014 – até hoje – Lidianne trabalha oito horas no setor de Gestão de Informação na Vigilância Epidemiológica, como Funcionária Pública da Prefeitura de Juiz de Fora, como efetiva no Programa Municipal de Combate à Dengue como agente de endemia: “trabalhei durante muito tempo nas ruas, isso me tornou ainda mais humana, entrando dentro das casas das pessoas. Somos a única categoria que vai direto a casa do morador, não há distinção de lugares, pessoas ou tratamento. Pelo menos não deveria”. Pela sua formação de vida e profissional Lidianne conhece essa cidade, suas mazelas da riqueza da pobreza e da desesperança. Mas ela estava decidida: “eu vou sair da faculdade e trabalhar para levar para as pessoas uma leitura em que consigam enxergar o mundo melhor”.

Em 2016 (foto acima) Lidianne Pereira Luz se graduou em Comunicação Social/Jornalismo com o Trabalho de Conclusão de Curso: “Com que Trança eu Vou? O empoderamento da mulher negra através dos cabelos nas redes sociais”, no Centro Universitário Estácio Juiz de Fora, orientado pelo Professor Doutor Silvio Augusto de Carvalho, um homem branco, totalmente antirracista e aliado à causa. Foi ele quem mostrou para Lidianne a importância de se ter aliados: “ele me fez construir uma tese espetacular sobre o assunto. Não era mais uma brincadeira de infância ou um trabalho esporádico, era uma tese”. É claro que para a colação de grau e festa de formatura toda a família e os amigos compareceram em peso, como nas fotos acima.
Como autodidata, ela contou que tudo que sabe de tranças, aprendeu sozinha, até as mais modernas: “não foi só pelo dinheiro, mas pelo regaste da ancestralidade”. Ela não se furtou da sua responsabilidade de ser uma mulher plural, como a maioria das mulheres pretas desse mundo. Com a monografia Lidianne respondeu a si mesma, e com todo embasamento de uma teoria que quase não existia: “precisei construir muita coisa e cheguei a inúmeras conclusões”. Uma delas, é que o negacionismo da nossa história fez com que os negros se anulassem enquanto seres lindos e únicos, descendentes de Reis e Rainhas, com cabelos lindos e penteados que são feitos única e exclusivamente por pretos para pretos. Ao final ela uniu o conhecimento e a academia escrevendo quase 100 páginas de TCC sobre as tranças e sua evolução: “o mais curioso é que as pessoas não acreditavam em uma jornalista de trança”.
Neste mesmo ano aconteceu para Lidianne uma situação que vale mais que mil palavras: “nem todos os filhos têm a oportunidade de participar do casamento de seus pais. Nós tivemos! Mais emocionante que esse dia não haverá. Maquiagem borrada com lágrimas de felicidade sim”. Na foto acima os pais Juliete Aparecida Pereira e Valtencir Lopes da Silva com os filhos Lidianne (junto ao pai), o irmão Leonardo Diego (ao lao da mãe) e Letícia Pereira (na direita).
Lidianne sempre quis trabalhar com o social e em 2017 como assessora de comunicação da Casa de Cultura Evailton Vilela (CCEV), junto com os jornalistas Fernanda Evarista e Rafael Rodrigues (fotos abaixo), informou ao público que adolescentes juizforanas ganharam um baile de debutante coletivo: “selecionamos quarenta meninas por meio de um concurso de redação e a festa aconteceu em novembro”. Lidianne contou que a iniciativa permitiu que adolescentes de diversos bairros da cidade tivessem acesso à oportunidade de ter uma festa de 15 anos, sem distinções ou preconceitos: “essa festa vai culminar em um alento para essas meninas periféricas que vivem coisas tão desafiadoras todos os dias. Vai ser um momento que elas não esperavam ter e elas vão passar por essa transição de forma bem mais leve, com a única contrapartida de fazer a redação”. Para Lidianne que trabalhou na CCEV por quase dois anos organizando a comunicação: “o grande viés disso tudo é poder ver sorrisos no rosto de quem, geralmente, não tem”. Ela se dedicou e contou que também aprendeu muito com o contato humanitário que desenvolviam para selecionar as meninas: “escutei histórias impensáveis, de estupro até violência doméstica, de falta de comida até falta de um vaso sanitário em casa”.
Com crises de ansiedade desde 2019 passei a trabalhar no setor de Gestão de Informação na Vigilância Epidemiológica, como funcionária pública: “além do jornalismo, a máquina pública é minha paixão. Gosto muito do estudo sobre política, que está literalmente ligado à minha especialização em População e cultura Negra”. Nesse mesmo ano ela começou no Instituto Federal do Sudeste de Minas – Campus Juiz de Fora o Curso de Técnico em Eventos, com Eixo Tecnológico em Turismo, Hospitalidade e Lazer, que durou só um ano. Para o curso, estagiou na assessoria de um hotel em Juiz de Fora, mas: "infelizmente não consegui concluí o curso, estava em um processo de adoecimento, posteriormente veio a pandemia". Para essa batalhadora: “essa foi a primeira vez na minha vida que não conclui algo, que não conseguia, depois de anos sendo totalmente agitada, agarrando todas e qualquer oportunidade, minha mente parou meu corpo obrigatoriamente. Vinha de um relacionamento abusivo, uma correria surreal”, lamentou. E suas pequenas crises de ansiedade acumulada durante anos: “virou uma coisa mais séria que me afetaria de todas as minhas atividades, ou quase todas, mas essa história é muito longa”, confessou.
Nas fotos acima vê-se como Lidianne passou por várias fases: “e, como toda mulher preta, a transição capilar foi o estalar de dedos para o meu despertar”. Desde 1986 até 2000 ela usava o cabelo liso e o ferro quente para alisar (fotos da esquerda e do meio): “o cheiro era gordura de porco queimando, mas dava brilho e ajudava a alisar, um sacrifício quase tortura pela beleza idealizada”, mas isso fez parte da sua libertação das garras do racismo estrutural. Em 2015 voltou a usar tranças e passar pelas fases da transição capilar incentivada pela irmã mais nova: “as vezes as gerações ressignificam as anteriores e esse é um movimento que vem acontecendo muito”, lembrou com alegria. Na foto acima e na direita Lidianne em 2016 em sua primeira aparição pública sem o cabelo alisado: “me assumi nas redes sociais com o meu cabelo natural”, sorriu. As três fotos abaixo são as mais recentes e mostram a realização completa da transição capilar bem feita e do reconhecimento e empoderamento ancestral.

Em 2021 decidiu criar o Projeto Pretos Juntos no Topo que incentiva afroempreendedorismo e foi idealizado para promoção da igualdade racial e financeira, para ajudar a impulsionar propostas que evidenciem o talento, o profissionalismo e as ações feitas por cada integrante. Para ela, Juiz de Fora é uma cidade provinciana e ainda arraigada no padrão escravocrata, que ainda se reconhecem pelos sobrenomes: “eu sou fulano, filho de fulano de tal”, e essa estrutura arcaica faz com que os negros percam oportunidades. Lidianne quer quebrar essa necessidade de ter que provar que o negro é bom o suficiente: “capacidade não se mede por sobrenome, mas sim por vivências e participações”. O projeto é encabeçado pelos coordenadores (foto abaixo da esquerda para a direita) Rafael Rodrigues, Simone Dwlyene, Valdilei Jacob, Wildania Maia e Lidianne Pereira, que se uniram para mostrar que: “o lugar dos negros não é somente nos sub-empregos e podem sim ser o que quiserem”. Eles revelam o racismo, o extermínio e a procrastinação de uma Justiça lenta e, na maioria das vezes, que culpabiliza as vítimas negras: “as vezes me sinto em falta com o grupo, eu, assim como o restante dos integrantes, estamos em uma luta diária árdua”.
Segundo o educador financeiro Valdilei Jacob os pretos e pardos representam 51% dos donos de negócios no Brasil, porém os negros têm seus pedidos de crédito negados três vezes mais que os brancos. Para Lidianne: “a união desse público pode não só alavancar seus negócios e suas ideias, mas também na luta contra o racismo estrutural”. É com essa finalidade que surgiu o projeto Pretos juntos no Topo: “buscamos fomentar um protagonismo na comunidade negra”. Se o racismo é estrutural, comentou Lidianne: “a culpa não é dos negros, mas sim dos racistas e; isso adoece as pessoas negras”. Com o Projeto Pretos Juntos no Topo o grupo quer combater o apartheid à brasileira: “eu sonho com um país onde as pessoas brancas entendam a segregação e os privilégios”. Conheça um pouco do projeto no vídeo abaixo:

Além de passar oito horas na PJF, desde então Lidianne passou a dividir seu tempo entre o coletivo Pretos Juntos no Topo e em ser Assessora de Comunicação e Social Média de Hotel e Pequenos Empreendedores: “é claro sem esquecer o cuidado espiritual todas as quintas-feiras, a academia pelo menos três vezes por semana e o trabalho como trancista”. Ela contou que: “por vezes não sei como dou conta, posso ter me tornado uma viciada em trabalhar, já que um dia nos ensinaram que preto para vencer honestamente temos que entregar o dobro que todo mundo entrega para ter menos da metade do reconhecimento. Nós pretos, na maioria das vezes, estamos construindo tudo do nada, sem ajuda, sem conhecimento de ninguém, só com trabalho e muito estudo”. Veja abaixo a entrevista com Lidianne em 2023 falando sobre as “Mulheres Empreendedoras Empoderadas”, no evento na Faculdade Estácio onde se formou, com Jorge Júnior, Tamara Liz, Carina Dantas e Lidianne representando o projeto Pretos Juntos no Topo:

Em 2022 a caçula da família Letícia Pereira da Silva se formou como nutricionista na UFJF: “um orgulho imenso dessa conquista, como mulher, negra, de periferia em uma universidade pública”, lembrou Lidianne da necessidade das políticas afirmativas e das cotas. A luta da irmã foi memorável: “ela fez um curso totalmente diurno, e como tinha que trabalhar, teve que atrasar sua diplomação”. Meu irmão sempre foi mais lento nos estudos, mas ainda sim, com a um programa do governo, quase que obrigado pelos meus pais, se formou em Técnico de Administração no SENAI, responsável, trabalhador, nunca se contentou com pouco, hoje trabalha na MRS logística. Meus pais nunca puderam proporcionar somente o estudo, mas sempre deixaram bem claro sua importância e que não faltaria o básico. Saber que somos orgulho para eles, é a minha maior alegria. Na foto abaixo os pais Juliete Aparecida Pereira e Valtencir Lopes da Silva com os filhos Lidianne (esquerda do pai), Leonardo Diego e Letícia Pereira (direita da mãe). Sucesso familiar: “sou de fato, os sonhos dos meus ancestrais, sem esquecer de ser orgulhos para as próximas gerações. Sempre com meus pés no chão”.
Lidianne contou que aprendeu a engolir o choro e que vulnerabilidade não cabe a mulheres fortes, e esse ano foi prova cabível disso, se forem pretas menos ainda: “mas tenho feito o exercício de me deixar humanizar comigo mesma, chorar quando algo me abala”. Além de ser uma guerreira, ela ama a música e é eclética: “um rap, uma roda de samba, uma cerveja gelada e um churrasco em família, não tem igual”. Em 2023 teve um ano de muitas vitórias: “conseguimos ajudar na reforma da casa que minha avó deixou com tanto esforço, fiz minha primeira viagem de avião e conheci Salvador, ah.... Salvador! Consegui proporcionar uma formatura para minha irmã e fomos a Maceió”, que conquistas. Lidianne ainda sonha com a casa própria, a carteira de motorista, etc. Hoje com 37 anos, acha que poderia estar muito melhor: “as vezes minha autocobrança toma conta”. Mas isso não foi a toa: “para poder estudar abri mão de muita coisa, baladas, amigos e tive poucos namorados”.
Ela lembrou das histórias repetitivas de homens abusivos na família: ”tive um namoro aos 18 que durou 7 anos e outro aos 30 anos com quem fiquei por quase 4 anos, mas sofri um relacionamento abusivo”. Lidianne lembrou que mesmo tendo sofrido abuso: “nós pretos ainda temos medo de chamar a polícia e denunciar, pois nós não estamos acostumados a sermos defendidos”. Sabedora da dor, Lidianne espera que nenhuma mulher passe por isso: “é muito difícil, mas quando a gente fala sobre isso nos curamos também um pouquinho”, explicou. Para ela, infelizmente as mulheres negras são a base da pirâmide de uma sociedade racista, machista, solitária, objetificada e com base em uma fortaleza imagética: “não dá tempo para a gente ser emocionada, chatinha, às vezes nem menina; só podemos ser fortes”. Ela viveu na pele que: “qualquer tentativa de demonstrar um carinho, pode ser válida”. É preciso entender que solteira, sem filhos, sabendo que a solidão da mulher preta – as vezes – é uma das opções: “nossa luta é para que as meninas da nova geração consigam crescer em uma sociedade mais igualitária, mesmo dentro de todas as nossas diferenças”. Para as meninas negras ela conta que a vida para a gente preta nunca foi um "morango". Ela deixa ainda uma pergunta provocativa no ar: “quem tem coragem de amar de fato uma mulher preta? Se formos moles, não queremos nada, se nos posicionamos somos tachadas de metidas ou raivosas”.

E o trabalho como trancista? Lidi Luz sorriu, suspirou e respondeu: “ah esse tem sido meu refúgio. Trançar salvou minha vida, diminuiu minhas crises de ansiedade e ajudou muito na minha fase depressiva: “a ancestralidade salva! Não só o financeiro, mas a dor da alma”. Quando ela está trançando com hora marcada e em seus horários livres no Spazio Embelezaria no Santa Cruz Shopping (fotos da esquerda e central acima), Lidianne desenvolve essa cultura de seus antepassados e como na foto acima encoraja: “você é linda, a cor da sua pele é linda e o seu cabelo é lindo”. Hoje la se considera privilegiada: “tenho a honra de poder colocar e sentir minha pesquisa na prática, um privilégio de poucos. Nasci com esse dom, e só tenho a agradecer”. Para o futuro ela espera que os negros consigam ser reconhecidos como profissionais, antes de serem somente negros: “eu quero o mínimo de dignidade e que meus ancestrais se orgulhem do que eu me tornei e minha futura geração colha mais do que eu consegui colher. Espero que doa menos do que doeu em mim e sejam mais sábios e menos cansados”. Lidianne concluiu sua biografia como a de muitas negras: “para ser bem sincera, mulher negra é outra história", e mostrou aquele seu sorriso de felicidade.

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FONTE/CRÉDITOS: Lidianne Pereira
Alexandre Müller Hill Maestrini

Publicado por:

Alexandre Müller Hill Maestrini

Alexandre Müller Hill Maestrini é professor de alemão no Instituto Autobahn e autor de quatro livros: Cerveja, Alemães e Juiz de Fora, Franz Hill – Diário de um Imigrante Alemão, Lindolfo Hill – Um outro olhar para a esquerda e Arte Sutil.

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