RCWTV - Sua fonte de notícias de Juiz de Fora e região.

Domingo, 13 de Outubro de 2024

Geral

Denilson Bento – Jóia Bruta da Sociedade

Nossas Riquezas Pretas de Juiz de Fora #018

Alexandre Müller Hill Maestrini
Por Alexandre Müller Hill...
/ 14070 acessos
Denilson Bento – Jóia Bruta da Sociedade
Denilson Bento da Silva
IMPRIMIR
Espaço para a comunicação de erros nesta postagem
Máximo 600 caracteres.

Você já sentou com uma pessoa negra para ouvir a história que ela/ele têm para contar? Este projeto tem como objetivo destacar os expoentes negros do município de Juiz de Fora e legar exemplos positivos de sucesso de pessoas pretas para as futuras gerações. A reportagem #001 foi sobre Carina Dantas, a #002 foi com Antônio Carlos, a #003 com Geraldeli Rofino, a #004 com Sérgio Félix, a #005 com Fernando Eliotério, a #006 com Maurício Oliveira, a #007 com Ademir Fernandes, a #008 com Gilmara Mariosa, a #009 com Batista Coqueiral, a #010 com Cátia Rosa, a #011 com Eliane Moreira, a #012 com Antônio Carlos da Hora, a #013 com Ana Paula Torquato, a #014 com Alessandra Benony, a #015 com Sil Andrade, a #016 com Joubertt Telles, a #017 com Edinho Negresco e agora é a vez de #018 Denilson Bento.

Por Alexandre Müller Hill Maestrini

Denilson Bento da Silva nasceu em Juiz de Fora em 25.10.1969. Quando criança pobre e negra entre idas e vindas não tinha residência fixa, residia no Bairro Bonfim, na verdade era na margem da Linha de Ferro da Leopoldina, conhecido como Beco da Geni e as vezes no Bairro São Tarcísio, onde moravam seus avós paternos Dona Orides de Oliveira Silva e o Sr. João Gomes da Silva. Já a vó materna Maria das Dores Bento, também morava por perto, e perto da mina d'agua, num entroncamento entre o Bairro Santa Rita e o Bairro São Tarcísio, por isso o seu apelido era Dona Maria da Mina. Mas falar e escrever sobre Denilson é quase supérfluo, deveria somente apresentar seus escritos que relatam fielmente sua trajetória. Na adolescência as dificuldades eram constantes na vida de Denilson, seu pai Isaías de Oliveira Silva, mais conhecido como Naco, era um boêmio dos botecos e do futebol, que fazia das noites sua ciranda de moradias entre mulheres e bebidas.
Sua mãe Dona Aparecida Bento, que já era uma guerreira solitária, se cansou de ser Amélia a mulher traída e boazinha: "decidida pediu a separação do meu pai".
Era a mãe quem fazia faxinas e lavava roupas para fora pra sustentar a família. Mesmo sabendo que iria ser uma luta como de tantas mulheres, Dona Aparecida preferiu ser mãe e pai ao mesmo tempo e levou Denilson para a casa da madrinha Zeni no Bairro Francisco Bernardino, onde morava com sua filha Lila: “se não fosse por esse fato, não sei o que seria da minha vida”. Até hoje Denilson demonstra eterna gratidão à madrinha Zeni e Lila. Mas a madrinha Mercês e o padrinho Adeluir não ficaram satisfeitos do afilhado se mudar pra tão longe. Já Valmir, o irmão de Denilson, foi separado dele e ficou morando com a avó Dona Maria da Mina. Dos pais Denilson aprendeu que vivemos em uma selva, mas que não é necessário matar um leão por dia, e sim ser o próprio leão fugindo das armadilhas. A periferia tem suas jóias brutas da sociedade” e Denilson faria um poema com esse nome para homenagear sua mãe: “eu gostava muito de ouvir as histórias que a minha mãe e minha avó contavam”, metade era causo mineiros e metade história real.
O emprego de carteira assinada da sua mãe ficava próximo, na empresa Superquente Produtos Alimentícios, localizada no Bairro Jóquei Clube, uma fábrica de distribuição de refeição para as empresas da cidade. Dona Maria Aparecida Bento, mesmo de carteira assinada e com o trabalho formal, procurava se manter informada e onde tivesse precisando de faxineira lá estava ela, lavava roupa pra fora: "ela ainda pegava um bico no Restaurante Remo". Foi assim que logo conseguiu equilibrar as contas e alugou uma casa na mesma rua Rua José Basílio da Costa onde ficava a Superquente, e passaram a morar ao lado do local de trabalho dela: “era só pular o muro e pronto, estava dentro no emprego da minha mãe”. O travesso Denilson lembrou sorrindo que: “as vezes nos finais de semanas quando a mãe estava de plantão eu almoçava por lá”. Sua mãe era uma pessoa muito querida pelos seus colegas no trabalho e logo fez grandes amizades com o Chiquinho, o Tarcísio e o Cesar. Eles logo perceberam a dificuldade de criar um filho sem pai e propuseram que ela saísse da zona norte e fosse morar em outro local, o Bairro Santa Paula na zona leste de Juiz de Fora: “hoje percebo que Deus já estava no controle da minha nova trajetória”. Sua mãe era uma guerreira incansável por trabalho para suprir as necessidades da casa: “creio que foram as minhas necessidades”, sorri. Dona Aparecida encontrou também de outra forma de ganhar dinheiro, uma estratégia que encantou o bairro: “minha mãe criou o famoso chup-chup da Dona Aparecida”. Até se aposentar, sua mãe fazia sempre o que era melhor para Denilson, e continuou na mesma batida até o fim da vida.
Desde que se reconhece como gente, Denilson foi muito calado, introvertido e sensível e se recordou da mudança: “tinha apenas uma cama de casal, uma cômoda e um fogão”, mas sua mãe estava decidida a não deixar faltar nada em casa. Incomodada do filho ter que ir ver televisão na casa dos vizinhos, sua mãe comprou uma TV na Loja Arapuã na Av. Rio Branco (atual Casas Bahia), mas a proeza foi levar pra casa a TV equilibrada na cabeça: “esse dom de carregar coisas na cabeça ela herdou da época que era lavadeira de roupa com minha avó”. Denilson se lembra que ela equilibrou a vergonha e caminhou do centro da cidade por toda avenida Rio Branco e levou até o Bairro Francisco Bernardino. Inusitada mesmo foi a primeira frase que ela disse chegou em casa: ”a mamãe comprou essa televisão para nunca mais você precisar implorar pra ninguém”. Na foto esquerda abaixo Denilson Bento da Silva na sua formatura da 4. série no Colégio Coronel Antônio Alves Teixeira no Bairro Progresso, com a professora Willa e a mãe Dona Aparecida Bento. Na foto direita abaixo, ele com a mãe na primeira comunhão, junto com o professor Pedro (Lelo), grande amigo da família.

No Ensino Fundamental, na 1a e 2a série Denilson foi para a Escola Estadual Prof. José Freire, no Bairro Industrial, nos anos de 1978 e 1979. Para cursar a 3a e 4a série ele foi para a Escola Estadual Coronel Antônio Alves Teixeira, no Bairro Progresso, entre os anos de 1981 e 1982. Durante os anos de 1982 a 1985 Denilson foi para a Escola Mater Dei, onde cursou da 5a até a 8a série. Em 1986 e 1987 estudou no Colégio particular João Paulo I a 1a e 2a série do ensino médio. Em 1985 seu amigo Ademir falou pra ele que ele precisava trabalhar: “ele arrumou uma vaga na mesma loja que ele trabalhava, na Newman Calçados, no centro”. Foram 3 anos de vendedor até sair para se alistar no exército em 1988: “passei nos exames, porém minha mãe não queria que eu ficasse no exército”.
Dona Aparecida tinha medo que Denilson sumisse no mundo, mas logo percebeu que era melhor pra o jovem servir e ele se apresentou no DRS/4, na Praça Antônio Carlos. Depois de um ano como soldado ele se tornou cabo do exército: “fui indicado para o curso de sargento temporário no 4º GAC”. Mesmo com a indicação do Comandante de bateria Tenente Mouro e o do Coronel Maluf, a proposta deles era para Denilson retornar para a unidade. No entanto ainda havia racismos velados: “mesmo eu ficando em primeiro lugar no curso, curiosamente alguém empatou comigo, era um soldado branco dos olhos azuis, sem explicação me disseram que a vaga seria do loiro”. O Coronel Maluf vendo a tristeza de Denilson disse: “ô simpático, tem uma vaga no 4º GAC”. Mesmo decepcionado, Denilson aceitou e: "foi uma das melhores coisas que fiz na vida", concluiu. Começou a treinar para correr os 100m, tudo por acaso: “o Tenente Moreira tava precisando de alguém para representar a bateria e eu era o mais novo e corria bem”. Denilson foi lá, fez o teste e passou. Na foto abaixo da esquerda Denilson foi campeão na corrida de 100m na UFJF, desbancando seu grande ídolo o Soldado Coutinho à esquerda em 2. Lugar e em 3. lugar ficou o sargento Valdemir. Na foto da direita abaixo Denilson estava em treinamento na Escola de Educação Física do Exército,  no bairro da Urca - RJ.

Mas em 1992 ele resolveu dar baixa do exército no 4° Grupo de Artilharia de Campanha com o posto de 3° Sargento reservista. Logo que saiu do exército Denilson foi aprovado no concurso da UFJF como cozinheiro e foi encaminhado para trabalhar no Hospital Universitário em 1993: "eu ainda nem sabia cozinhar direito”, lembrou. Ele teve o apoio dos outros funcionários que o ensinaram a trabalhar: "tenho minha eterna gratidão por todos meus colegas do HU". Disposto a ir para a faculdade em 1993 voltou para a escola e concluiu o 3° anos no Colégio Cezas. Muito determinado, em 1996 entrou no curso de atualização técnica para cozinheiros do SENAC e como estava trabalhando no Hospital Universitário, concluiu o curso de prevenção de acidentes na área hospitalar em 1997, oferecido pela Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora e em 1998 concluiu também o curso de Auxiliar de Enfermagem.
Mas o sonho dele era mesmo
entrar para a universidade: "consegui uma vaga no curso de Graduação em Administração em 2006 na Universidade Federal de Juiz de Fora", sorri. Para finalizar o curso Denilson escolheu o título “O composto promocional como dinamizador da estratégia de marketing: um estudo de caso focado no usuário do programa de saúde bucal da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora”. Com esse TCC Denilson se formou em 2010 e com a graduação acadêmica deixou de ser cozinheiro e foi transferido para a Faculdade de Odontologia da UFJF e trabalhou também como Tutor à Distância entre 2012 a 2017. Era a hora de voos mais altos e Denilson entrou em 2011 para uma Especialização MBA em Gestão de Pessoas também na Universidade Federal de Juiz de Fora. Escolheu o tema de conclusão de curso para se formar em 2012: “Perspectiva sobre o gerenciamento do trabalho de pessoas: uma abordagem focada nas estratégias colocadas em prática com apoio ferramental do BSC”.
Para quem veio da “quebrada”, periferia, pobre e preto, o sonho já tinha se tornado realidade, mas lá estava Denilson em 2013 inscrito e aprovado no Mestrado em Letras com ênfase em Literatura Brasileira no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Faculdade CES/Academia. Ele se tornou Mestre em 2015 com o trabalho “Momentos distintos na prosa de Raduan Nassar: Tradição e ruptura no romance Lavoura arcaica”. Foi ainda em 2015 que, envolvido com a literatura, Denilson publicou a primeira edição, seu primeiro livro pela Editora América Ltda, com 400 páginas. No último ano do mestrado Denilson foi Bolsista do Programa de Apoio à Qualificação – Graduação e Pós-Graduação stricto sensu, PROQUALI, Brasil, com o prof. D. Édimo de Almeida Pereira. Ele foi também bolsista pesquisador entre 2014 – 2015 no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, onde seu grupo de pesquisa se aprofundou no tema “A afrodescendência no romance brasileiro do século XX”, orientado mais uma vez pelo Prof. Dr. Édimo.
Sua carreira de escritor e poeta estava só iniciando e Denilson se lembrou emocionado que foi sua mãe Dona Aparecida que o inspirou na inscrita literária: “escrevi o primeiro poema-conto - Jóia Bruta da Sociedade - pensando nela e tudo aconteceu num simples bate papo com o professor Édimo que me orientava para a dissertação”. Assim em 2015, em coautoria, publicou o livro “Café com pão de queijo: um novo encontro com a literatura mineira e brasileira”. Em 2019 iniciou sua carreira de colaborador pesquisador no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora no grupo de pesquisa “Estudos avançados sobre a formação do leitor: Literatura brasileira cultura e diálogos interdisciplinares”, sob orientação da Professora Doutora Valéria Cristina Ribeiro Pereira. Nessa época Denilson pensava em montar um Curso Popular na Igreja Santa Rita, no Bairro Bonfim: “olhando para a periferia onde nós fomos muito felizes”. Ele já pensava em resgatar um pouco dessa cultura periférica e tirar aos poucos os meninos de uma vida sem perspectivas: “eu tive esse outro caminho por sorte”. Ele começou então a pensar em escrever um livro e encontrou um amigo que o incentivou: "escreve alguma coisa sobre a sua mãe" e essa frase emociona com lágrimas o poeta até hoje ao tocar no nome de sua querida mãe. Denilson escreveu uma homenagem para ela em forma de sua primeira poesia marginal: "pedi a benção de minha mãe e dos meus ancestrais pra circular a voz do povo". O poeta confessou que teve suas inspiração para os livros escutando muito as músicas de Bezerra da Silva, o embaixador da favela, que retratou realmente o que é a realidade periférica.
Neste ano de 2019 Denilson passou a coordenar seu xodó, o projeto idealizado por ele batizado de Dmult-Literário - A poesia que liberta, realizado nos bairros periféricos de Juiz de Fora - MG, buscando mais espaço para a estética da literatura marginal. Desde então ele vem levando para as escolas sua experiência, seus escritos e o projeto Dmult Literário. No vídeo abaixo Denilson explica o projeto: "o Dmult-Literário é um Projetos de Extensão com o objetivo de apresentar as principais características da cultura periférica na zona leste da cidade de Juiz de Fora". No grupo de pesquisa avaliavam o processo da fala do sujeito e a união de vozes associadas às manifestações culturais como o samba, o rap e o hip-hop. Para difundir o projeto, Denilson pretende explorar um novo perfil de escritores numa estética própria da periferia, essa nova literatura advinda das margens da sociedade é intitulada Literatura Marginal (vídeo abaixo). Ela abrange uma literatura combativa no agenciamento político na realidade social marcada pela vulnerabilidade. O poeta acredita que: “através dessa literatura e suas intervenções socioculturais possamos proporcionar acesso ao leitor da periferia a esse novo estilo literário, que mais se aproxima de sua realidade periférica”. Como coordenador Denilson conseguiu envolver o Prof. Dr. Gilvan Procópio Ribeiro e o Prof. Rene de Oliveira, bem como e os Técnicos Administrativos Ricardo Dias e Marcos de Paiva Nunes.

Era o início de uma vida de poeta contestador. O título “Descalço para o Mundo” surgiu numa conversa com a colega de trabalho Fátima Mariano. Em seguida num bate papo com os amigos e alunos da Faculdade de Odontologia participaram Ramon e Tomaz: "eles riram muito e pareciam não acreditar", sugeriram um título mais impactante representando o sonho da correria do dia a dia para sobreviver: "mas como estamos na periferia sempre andamos descalços para o mundo, o título foi bem aceito". Faltava a condição financeira e ele achava que a oportunidade de escrever um livro não iria surgir, pois: “eu estava acostumado a ser rejeitado pela sociedade”. Insistente, nadando contra a corrente, em 2019 o sonhador Denilson enviou seu poema "Descaso" para a Editora Absurdos e concorreu a um prêmio nessa editora: “o prêmio não era tão importante, o importante era a ousadia". O que Denilson mais queria era levar conhecimentos de volta para o povo periférico e marginal: “ousava poder finalmente começar a fazer a diferença num país tão conturbado e injusto". Acabou publicando em 2019 o poema “Descaso” pela Absurtos Editora de Taboão da Serra, empresa que visa dar visibilidade para a Literatura Marginal. Denilson participou também do Concurso Literário “o Prêmio Absurtos de Poesia de 2021".
Maduro para o mundo e agora com um pouco de fama, em 2020 Denilson Bento da Silva deu um grande salto em sua carreira: “publiquei o ebook Descalço para o mundo pela Absurtos Editora". O livro é um conjunto de poemas envoltos pela estética da literatura marginal com muitas memórias da infância e as questões sociais da periferia ele misturou à cultura do hip-hop e dos bailes black de famosos DJ's e MC's, num panorama que vai de Tim Maia ao funk carioca. Na poesia Denilson relaxa e esculacha toda estrutura social, desde as lavadeiras torcendo a roupa na mina d'água da Zona Leste de Juiz de Fora, ao menino pobre e negro (o próprio) que alcança o sonho de ingressar na universidade: “tudo no meu livro é cenário e tema para ampliar a voz dos morros e baixadas e reivindicar o direito à Arte e à Educação”. Denilson luta contra o racismo estrutural e sonha em desconstruir estruturas tortas e perversas da sociedade racista e segregadora de Juiz de Fora. Ele gostaria mais que isso, pois luta para que as pessoas pretas não sejam reduzidas somente à questão de negritude: “para os negros infelizmente estão sobrando somente os espaços pelas margens, subempregos, restos da sociedade branca”. Na verdade o povo preto existe porquê resiste: "nunca deixaremos de lutar pelo direito de permanecermos vivos". (Vídeo de lançamento abaixo)

Do livro eletrônico Denilson partiu para realizar seu livro no papel, mesmo com a pandemia de COVID-19 no auge, aguardando as vacinas, ele insistiu. Em 2021 realizou seu sonho e o livro foi lançado na forma física. A capa do livro é uma foto tirada do alto da “lage” da casa de Denilson. Ele lembrou que a capa representa a situação da periferia: “pobre não tem cobertura, tem terraço”. Denilson convida a todos para conhecer gratuitamente nesse link uma amostra da grandeza das suas poesias que retratam questões sociais da periferia: “mas não deixem de comprar a versão completa, isso ajuda o autor”, sorri timidamente. Na foto abaixo a logomarca do projeto Dmult Lietrário - A poesia que liberta” no centro, na direita Denilson apresentando o projeto com a estética da literatura marginal nos bairros periféricos Juiz de Fora.
Denilson lembra com tristeza que: “a favela é na sociedade brasileira o quarto de despejo da cidade, e em Juiz de Fora não é diferente”. Para esta situação Denilson escreveu um belo poema onde: “é o próprio sujeito da favela quem vai fazer com que a comunidade seja reconhecida por suas belezas existentes”. Ele lamenta que os moradores das favelas e comunidades fazem tanto para a sociedade: "mas infelizmente não são reconhecidos como sendo a verdadeira base de sustentação da cidade”. Neste sentido fez questão de lembrar de quem abriu as portas da poesia periférica: Conceição Evaristo de Belo Horizonte e Carolina Maria de Jesus, moradora da favela de Canindé em São Paulo, com seus escritos no livro “Quarto de despejo – Diário de uma Favelada”, um livro épico formado por 20 diários escritos entre 1955 e 1960. Como os escritos de Denilson, estes livros também exercitam a memória, a história oral e a tradição. O livro físico de Denilson se encontra para venda na Quarup Livraria Antiquária de Juiz de Fora do amigo Cláudio Luiz Silva, um local de referência em literatura alternativa e negra. (Foto abaixo)
Denilson conta que a inclinação para a poesia veio do encontro com a poesia marginal e sua forma de retratar a realidade de maneira crua: “minhas poesias retratam a realidade social e as inspirações sempre vem da periferia”, afirmou. O pobre no Brasil trabalha pra gente de condição financeira melhor, mas quando ele chega em casa - na própria realidade da periferia - ele não vê aquilo: “é uma luz que falta, um dinheiro que falta, e a pessoa fica presa nessa Cultura brida”. Mas é justamente a comunidade periférica que serve de espelho para a sociedade, completou. E é justamente isso que ele retrata com clareza e esculaxo na sua literatura Marginal, o dia a dia, o cotidiano da periferia e busca dar voz às pessoas da periferia: “é a única forma que eu acho de derrotar a desigualdade e trazer esperança e um expectativa de uma vida melhor para esse povo”. São milhares de brasileiros e brasileiras que vivem essa história de ter que dividir as suas mães com as famílias ricas e brancas, das mães passarem mais tempo cuidando do filho do patrão e da patroa, do que do próprio filho: “escrevendo eu entendi minha mãe, ela fez isso para me dar educação e oportunidade que não teve”, relata agradecido o poeta e escreve sobre a sua história da periferia e sua luta híbrida diária. Confira a poesia abaixo:
Dona de casa
...
Sem curso superior / Sem faculdade

Ministra economia / Administra a casa como empresa
Antropóloga ao herdar o resto mortal da miséria
Tornou-se assistente social ao ver a miséria do entorno Cristã, visita hospitais no fim de semana
Tornou- se psicóloga ao conduzir pessoas brigando na fila do metrô
Pedagoga ao orientar seus filhos
Dona de casa do outro, doméstica
Nutricionista ao preparar o cardápio
Tornou-se hermafrodita / Por ter saco de aturar os insultos do patrão
...

Do ponto de vista de
sua realidade, Denilson homenageou também sua avó materna Maria das Dores Bento, apelidada de Dona Maria da Mina, e por tabela todas as mulheres batalhadoras com uma enorme ironia que empregou na poesia - Academia: “se não fosse realidade eu até poderia rir com a ironia”. Ele é grato por pertencer e fazer parte da história de uma família e de um lugar que deu a ele um senso de humor maravilhoso: “porque desde quando o trabalho pesado de lavar roupa pra fora é academia?". Para ele é sim exercício físico forçado, e lembrou que: "sem profissional e sem cuidado as vezes as lavadeiras acabavam se lesionando ou a coluna arrebentava". Mas energético de pobre é a cachaça, lembrou com ironia. Confira sua poesia abaixo:
Academia
...
Mina d’água, academia ao ar livre

A primeira atividade física é o agachamento
O pessoal tem que abaixar pra colocar as latas pra encher d’água
Posicionando uma lata de cada lado, ergue a canga

Esse desenvolvimento trabalha as costas
E com a repetição pra encher o tambor, força também as pernas
Tem os mais ousados que dispensam a canga
Carregam uma lata de cada lado, na mão / Exercitando o braço
Esses são o apoio operacional / Quando vêm chegando as lavadeiras
Fazendo o desenvolvimento lateral do pescoço com a trouxa de roupa na cabeça
Depois malham o bíceps esfregando a roupa
Pra manter o abdominal, afogam as roupas dentro da tina
Tem até um crossfit / Quando as lavadeiras agarram a roupa numa ponta pra torcer
Ou põem a roupa na pedra pra quarar
Desenvolviam panturrilha ao pendurarem a roupa no varal
Malhação constante / Lavar roupa na mina
Sem a presença de personal / A própria galera monta sua ficha
Não existe: obesidade Índice alto de colesterol e glicose
O energético era uma pinga da roça Que era distribuída entre os participantes
Nas manhãs de inverno Minha avó Maria não faltava a um treino
Por isso o pseudônimo Dona Maria da mina
...


Na poesia abaixo “Biometria Social” Denilson escancara a desigualdade do julgamento, desconfiança e segregação: “o preto da periferia quando vai procurar emprego precisa dar um endereço diferente para não ser eliminado automaticamente”. Confira sua poesia abaixo: 
Biometria social
...
Identificar o ser na imagem da árvore genealógica

É impossível / No entanto /
O sujeito periférico desperta Mundo de desconfiança
O olhar biônico da sociedade condena / Vai além do digital
O ser é julgado pela forma de vestir, maneira de andar
A linguagem malandra manifesta cuidado
Monitoramento constante Cidadão do gueto na trajetória / Atrai espectadores
O sistema identifica automaticamente / A elite assina sem biometria
Mais um discriminado / Condenado pelo sistema Sociocultural e capitalista
...

Denilson sonha em reverter a baixa qualificação da gente da periferia e citou a voz popular de Sérgio Vaz, um dos principais poetas da literatura marginal no Brasil que escreveu: "muitas vezes o resultado de ensino de qualidade mínima é presídio de segurança máxima". O sentido social de Denilson impressiona e além de estar promovendo seu livro, atualmente ele também participa da organização de uma coletânea poética que visa aproximar a cultura híbrida dentro e fora das escolas, dando protagonismo aos poetas e promovendo ações voltadas para a cidadania. Poderão participar da coletânea poetas com idade igual ou superior aos 18 anos, de qualquer nacionalidade. Para mais informações os interessados devem entrar em contato com ele através do número de contato (32) 99185-3919. De acordo com Denilson: "o meu objetivo é fazer com que mais pessoas desenvolvam o hábito da leitura, pois é desta forma que se consegue aprender a interpretar o mundo".

Mostrando a foto acima Denilson falou de respeito e gratidão, e lembrou-se da sua atual família, seus alicerces sólidos: “meu filho Douglas e minha esposa Simone que sempre estiveram ao seu lado nos erros e acertos”. Com carinho falou também com admiração de sua sogra Dona Rita Pereira, hoje com 86 anos, que começou a ser alfabetizada aos 66 anos, onde Denilson gosta de as vezes passar na casa dela e ficar escutando as histórias do passado: “quero estimular toda a família para começarem a escrever”. Como uma verdadeira Jóia Bruta da Sociedade, Denilson tem consciência de onde veio e por gratidão continua trabalhando e espalhando sua negritude, sua generosidade, seu sorriso largo e seu empenho de divulgar a literatura Marginal, de querer fazer as coisas se tornarem melhores e mais importantes para todo mundo.
Ele sempre reafirma que sua Juiz de Fora inteira já o conhece pela frase que sempre repete carinhosamente: "meu nome é trabalho" e realmente se empenha também nas horas livres para ajudar a melhorar a sociedade. Em 2022 foi homenageado pelos formandos da Faculdade de Odontologia da UFJF (foto do meio acima). Neste seu local de trabalho, nas horas vagas difunde seu projeto (fotos acima da direita e esquerda). Dentre outras aparições, na foto abaixo, em agosto de 2023 participou do 4º Simpósio de Língua e Literatura do Almirante Barroso, no auditório da Praça CEU no Bairro Benfica, zona norte e periférica de Juiz de Fora. Como convidado, Denilson Bento participou da mesa redonda com os professores da Escola Estadual Almirante Barroso: Thiago Emanuel, Irineide, Raphael Sequeto e como mediadora a professora de português e literatura Roberta Graziella Tavela.

Mesmo descalço para o mundo, Denilson chegou muito longe e tenho a certeza que vai chegar mais longe ainda. Em 2019, 2020 e 2021 Denilson partiu pra cima para a realização de uma nova jornada, ser Doutor, porém o projeto de Denilson não foi aprovado. Mas tenho a certeza que ele não desistirá de seus ensinamentos de menino e vai concorrer até conseguir como sempre fez na vida. E o futuro Denilson? Ele responde sorrindo: "o futuro a Deus pertence, mas eu continuarei na batalha, persistindo nos sonhos".

No momento Denilson está preparando o lançamento da sua mais nova obra, o livro "Enigma Social Periferia", que será lançado pela Editora Viseu (pré-projeto da capa na foto acima direita). Disposto a dar o exemplo, sempre que pode Denilson leva seus pupilos junto com o Projeto Dmult Literário para mostrarem seu talento e conquista outros tantos nas palestras e nas quebradas. Excelente trabalho de conscientização e mudança de paradigma dos jovens da periferia.

Denilson revela sendo seu principal parceiro do projeto dmult.literario o compositor e cantor de raper de 23 anos Habelardo Santos Braga, conhecido com o nome artístico HSdaZL ou MC HS. Ele mora no Bairro Progresso, Zona Leste de Juiz de Fora - MG, mas já tem participação em vários clips dos principais artistas da cidade e também em vídeos na cidade do Rio de janeiro. Suas produções podem ser conferidas no seu instagram. Para Denilson o jovem cantor, segurando o Banner do Dmult na foto acima, é uma das promessas e uma participação sempre muito especial nos eventos do Dmult. Veja seu talento e sua poesia na música e vídeo abaixo.
Denilson deseja para a infância mais literatura para ajudar na construção de um mundo melhor e concluiu a reportagem filosofando: "deixem livros ao alcance das crianças".

Receba notícias da RCWTV no Whatsapp e fique bem informado!

FONTE/CRÉDITOS: Denilson Bento da Silva
Alexandre Müller Hill Maestrini

Publicado por:

Alexandre Müller Hill Maestrini

Alexandre Müller Hill Maestrini é professor de alemão no Instituto Autobahn e autor de quatro livros: Cerveja, Alemães e Juiz de Fora, Franz Hill – Diário de um Imigrante Alemão, Lindolfo Hill – Um outro olhar para a esquerda e Arte Sutil.

Saiba Mais

Crie sua conta e confira as vantagens do Portal

Você pode ler matérias exclusivas, anunciar classificados e muito mais!

Envie sua mensagem, estaremos respondendo assim que possível ; )