Visando dar visibilidade para aqueles que a sociedade sempre tentou tornar invisíveis, resolvi editar essa série chamada Nossas Riquezas Pretas de Juiz de Fora. O primeiro foi sobre Carina Dantas, agora é a vez do historiador, professor, poeta e pesquisador Antônio Carlos Lemos Ferreira. Ele publicou em 2008 o livro “A devoção a Santo Antônio em Juiz de Fora – O Santo Fujão” e em 2021 o livro "A Lenda do Moro da Boiada", todos os dois estão à venda no Box das Caixinhas, localizado no Mercado Municipal de Juiz de Fora, Espaço Mascarenhas, ou com o próprio autor no Facebook.
Foi um prazer conversa com o poeta e ouví-lo contextualizando sua própria trajetória. Nasci aqui mesmo, em Juiz de Fora no Bairro Grajaú e fui um menino bastante comum até a chegada da adolescência. Como primeiro filho homem entre outras 4 irmãs, fui bastante paparicado e amado, pelo que me contam as "manas" de mim. Com a chegada da adolescência, já aos 11 anos despertou em mim um "furor de levadice" que se estendeu até para a escola, inclusive, assustando muito meus pais, sobretudo, a minha mãe. Minhas paixões e lutas são simples, pois sou oriundo de família de classe média baixa e aprendi desde cedo o papel do trabalho na vida de uma pessoa e sobretudo, a luta pela justiça. O poeta ama a conversação e o Franciscanismo e pode desenvolvê-las novamente quando retornou à nossa terra, como um grandíssimo amor pelo Rio Paraibuna e pelo Morro da Boiada.
"Charuto", como era conhecido o menino do Morro da Boiada, considera que suas maiores obras são as do espírito. Canceriano de filiação materna e paterna, portanto, um sonhador, descobriu a poesia já bem maduro, mas confessa que ela já estava latente o tempo todo. Na parte material Antônio se considera um "fabricador", e mais ainda, um "remendador". Além da atividade de pensador inquieto, ele gosta dos trabalhos manuais e pesados, que lhe alteram o estado de compreensão em relação ao trabalho intelectual do dia a dia, sendo que exerce a função de professor. O que aliás, não deixa de estar sendo, atualmente, um trabalho braçal. Descontraindo, à beira do fogão de lenha, lembrou que já publicou livros, plantou árvores e criou dois filhos.
Antônio conhece seus antepassados e sua genealogia, explicou que descende da mistura tríplice descrita por Carl von Martius, o alemão que em 18017 desembarcou no Brasil para explorar suas entranhas. Mas então por que não sabe mais? Ele respondeu com seu lado historiador, "sabemos pouco porque sou oriundo de indígenas Puris da região do Rio Pomba - Serra da Onça e de escravizados do interior da Bahia, Vitória da Conquista, via filiação materna". Dessa parte tenho poucos documentos, já a ancestralidade paterna vem de portugueses e negros misturados ali, no arraial e hoje Município de Conceição do Formoso. Mais longe não conseguiu ir na ascendência devido à supressão do próprio nome, que estas duas etnias tiveram que suportar, para garantir brasões e genealogia à etnia covardemente dominante.
Antônio recebeu grandes influências inicialmente de sua mãe e seu pai, exemplos de caráter e desempenho; depois da Avó, uma matriarca dinâmica, amorosa e exemplar. Também grandes influenciadores foram seus dedicados e competentes professores, e por fim sua mulher, filhos e alguns amigos. Como cidadão, vê a história de Juiz de Fora como uma "narrativa" da elite dominante branca escravocrata, que precisa, deve e está sendo recontada e reescrita e que precisa de uma abordagem menos positivista e mais didático-metodológica palatável para os pequenos, que dela precisam para se orientar. Tudo isso reflete nas suas poesias e escritos. Ele prossegue sonhando que: "esta abordagem histórica deve levar também em conta a contribuição dos indígenas daqui sumidos, e do imenso contingente de negros, que aqui produziu riquezas e permanece". Antônio resume a crise de identidade de Juiz de Fora em uma poesia (abaixo).
Antônio Carlos não desiste, delineou belos planos e idéias para reverter o racismo estrutural. Ele tem pautado seus estudos sobre o tema, mais próximos dos professores Muniz Sodré e Paulo Guiraldelli, do que do professor Silvio Almeida ao abordar o conceito “estrutural do racismo” como um tema brasileiro. Para ele, a reversão desse comportamento abjeto e criminoso, mas muito rentável para a manutenção do capitalismo, a seu ver passa pela inclusão de grandes quantidades de pessoas brancas junto conosco, numa luta empenhada em sermos antirracistas. Ele enfatiza que: "quem inventou essa mecânica perversa, pós escravização, não fomos nós pretos", e por isso, ele acedita que não conseguiremos sair disso sozinhos. Mas se mantém positivo e revela que ama todas as forças que o envolvem, inclusive o Município de Juiz de Fora, "que me trouxe a luz". Porém enfatiza que: "amo-a de forma apaixonada e integral, mas crítica!" e faz poesia da Lenda do Morro da Boiada (abaixo).
Seu primeiro livro resultou de uma pesquisa apresentada ao departamento de Ciência da Religião da UFJF como conclusão do curso de mestrado. Teve como objetivo desenvolver uma investigação em torno da introdução da devoção a Santo Antônio no Município de Juiz de Fora. O historiador explica: "ao ser criado o Caminho Novo a expedição passou pela região do futuro Morro da Boiada, onde existiu uma capelinha, difusora da devoção a Santo Antônio nas margens do Paraibuna. Em 1741 foi formalizado oficialmente, o pedido do fazendeiro Antônio Vidal, para erigir uma capela em suas terras, em honra de Santo Antônio. Uma Segunda capela foi solicitada pelo Fazendeiro Antônio Dias Tostes em 1815 e autorizada em 1821. Foi mantida a dedicação a Santo Antônio. Em 1836, o engenheiro germânico Guilherme Halfeld veio para o local e demarcou o terreno para a terceira capela, Matriz de Santo Antônio, requisitada em 1844 e autorizada em 1850, se tornou a atual Catedral Metropolitana. Para lá foi levada a imagem do Santo que segundo a lenda, fugia na calada da noite e voltava para seu lugar de origem. Episódio conhecido como o “Santo Antônio Fujão”. Através dele, pretendemos responder como o Catolicismo Popular Tradicional transmitiu um legado devocional tão forte ao Santo, que o transformou no elemento agregador da fundação da cidade". Viva Santo Antônio!
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