Você já sentou com uma pessoa negra para ouvir a história que ela têm para contar? Este projeto tem como objetivo destacar os expoentes negros do município de Juiz de Fora e legar exemplos positivos de sucesso de pessoas pretas para as futuras gerações. A reportagem #001 foi sobre Carina Dantas, a #002 foi com Antônio Carlos, a #003 com Geraldeli Rofino, a #004 com Sérgio Félix, a #005 com Fernando Eliotério, a #006 com Maurício Oliveira, a #007 com Ademir Fernandes, a #008 com Gilmara Mariosa, a #009 com Batista Coqueiral, a #010 com Cátia Rosa, a #011 com Eliane Moreira, a #012 com Antônio Carlos da Hora, a #013 com Ana Paula Torquato e agora é a vez de Alessandra Benony.
Por Alexandre Müller Hill Maestrini
Alessandra Aparecida Benony é advogada criminalista especialista em direito da mulher, direito público, direito empresarial e de negócios, integrante de vários movimentos de defesa da mulher como o projeto justiceiras e mulheres mais para o Brasil e integrante do grupo de juristas negras do Brasil. Enfrentando os abusos e todo o racismo que uma mulher preta sofre, Alessandra, passou toda a sua infância e a fase adulta numa casa humilde no bairro Industrial, na Zona Norte de Juiz de Fora. Ela é Filha do pedreiro e mestre de obras Laerte Basílio Benony – com sobrenome francês de origem marroquino – e da técnica em enfermagem Maria Carolina Benony (foto acima). O que ela sabe sobre seus ancestrais é somente que o pai é original da região de Laginha – MG, divisa do Espirito Santo e a mãe veio de Paracatu – MG. Alessandra veio temporona com dez anos de diferença dos outros irmãos e se tornou a caçula de cinco filhos, sendo que três homens e duas meninas. Na foto abaixo de qualidade ruim estão somente os quatro irmãos e ela explicou que: “família pobre não tem nem dinheiro pra fotografia, essa foi a única”.
A família cresceu em meio à pobreza e ao racismo, mas muito religiosa: “a gente que nasce preta e pobre em uma comunidade já vem predisposto a não dar em nada, então eu sou um milagre”, afirmou Alessandra. Na infância, ela fez o Ensino Fundamental (1º grau) entre 1984 – 1993 na Escola Estadual Professor José Freire. Depois mudou para a escola particular Colégio Integrado de Juiz de Fora onde cursou com bolsa integral todo Ensino Médio (2º grau) entre 1994 – 1996. Como menina temporona ela sofreu a falta do carinho da mãe que tinha que sair para trabalhar e sustentar muitas bocas. Além disso, foi no período escolar que Alessandra, sofreu muito bullying e passou por traumas do abandono, pois foram os irmãos mais velhos que cuidavam dela enquanto os pais estavam trabalhando: “e muitas vezes, esqueciam de me buscar”. Como não poderia ser diferente, brigava muito como autodefesa. Já nessa época ela não aceitava de forma pacífica o racismo brutal ou velado, quando era rejeitada para dançar nas quadrilhas, etc. Quando estudou em escola particular chegou a ser muito humilhada pelas coleguinhas mais ricas e brancas.
As crianças negras já nascem com a ideia na cabeça que elas não podem empreender e ter sucesso: “muitas sempre dizem primeiramente que não vão, e o pior, não podem conseguir”. Mas o grande exemplo da educação na vida de Alessandra veio por meio de seu próprio irmão mais velho, pois com a entrada dele no quartel, tudo mudou para melhor para a família. O irmão com 22 anos já era primeiro-tenente do exército brasileiro e tinha se formado na Faculdade de Letras. Nessa época foi o emprego do irmão Jorge Basilio Benony que possibilitou que a “família de pretos” passasse a estudar e até a frequentar escola de inglês. Em seguida o irmão entrou no curso de Direito, mas, logo sua carreira foi interrompida pois com 25 anos foi brutalmente assassinado, desestabilizando toda a família. Alessandra com apenas 10 anos viveu um momento de tormento e cresceu indignada pela inoperância do judiciário e com sede de justiça pela morte do irmão: “meu objetivo sempre foi cursar Direito para fazer justiça por ele”. Nesta época graças a Deus sua mãe foi a grande referência e porto seguro.
Muito determinada entre 2001 e 2005, com bolsa de estudos por merecimento, cursou Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior e escreveu o trabalho “A fragilidade da lei brasileira do sistema de cotas”, realizando seu sonho de justiça. Durante quatro anos da faculdade ela conseguiu um estágio na Justiça Federal, onde trabalhou no protocolo, setor de emissão de certidões, atuou processos e ajudou os juízes na elaboração de minutas para sentenças. Na faculdade de Direito Alessandra era uma das melhores alunas, mas quando se formou, não conseguia trabalho por ser uma mulher preta: “era o racismo fechando as minhas portas”. Sem escolha, ela continuou lutando e, não satisfeita, queria mais. Para quem não entende a pobreza, Alessandra explica indignada que: “mesmo passando na prova da OAB eu não tinha dinheiro para comprar um sapato e um terninho novo para tirar uma foto na posse como advogada da Ordem dos Advogados do Brasil”. Mas mesmo assim encheu de orgulho o querido pai e a mãe na cerimônia.
Entre 2006 e 2007 fez sua especialização em Direito Público no Centro Universitário Newton Paiva, com o trabalho “A importância das ações afirmativas na sociedade brasileira”. Os caminhos começaram a se abrir e ainda em 2006 e 2007 fez outra especialização em direito público pelo ANAMAGES (Associação Nacional dos Magistrados Estaduais). Além disso fez em 2009 uma Especialização em ciências criminais pela Faculdade Milton Campos, na época foi monitora e bolsista e se aprofundou no antigo caso não resolvido do seu irmão: "foi o conhecimento e a impotência diante ao sistema jurídico que entrei em depressão". Em 2012 fez outra especialização em 2012 em direito empresarial e de negócios pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e em 2013 chegou ao Mestrado na UFRJ, quando ela levantou uma tese sobre a questão da vulnerabilidade da lei de cotas, pela questão da autodeclaração que estava tirando lugar das pessoas pretas por fraudes.
Iniciou sua carreira pegando causas dificílimas que ninguém queria e, sem um escritório para trabalhar, começou atendendo nos escritórios da OAB. Junto com duas amigas abriu um escritório em 2010, mas a relação não deu certo por Alessandra ser negra. Sem o apoio da família - que os brancos normalmente tem - ela contou que em 2013 abriu seu próprio Escritório AGAPE ADVOCACIA E ASSESSORIA JURÍDICA (foto acima) com muito sacrifício e lembrou que: “as histórias de superação nas TVs são histórias reais”. Alessandra sofre até hoje racismo do proprietário de sua sala que comprou no Rossi Rio Branco Corporate: “por ele achar que eu não estava na condição de estar naquele local por ser negra. Coisas que brancos nem imaginam que possa acontecer”. Hoje, Alessandra superando tudo e todos, além de advogar pela causa feminina, também dá palestras sobre os direitos das mulheres pretas em relacionamentos abusivos, bem como sobre o racismo enfrentado diariamente por elas: “uma vitória em meio a tantas dificuldades do racismo estrutural”. Em 2014 participou do Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para aumento da participação da mulher negra nas relações sociais e concluiu uma especialização em direito da mulher: “por ter tantas mulheres, principalmente pretas, que são vítimas de violência doméstica e de abusos”. Esta foto abaixo representa mais que uma foto para Alessandra, para ela traz o verdadeiro sentido de uma mulher preta não soltar as mãos da outra, reflete a luta de um povo que sofreu quase 500 anos de escravidão e traz nas veias a garra de vencer todos os preconceitos, descasos e injustiças de um país racista, misógino, mas que não pararam as herdeiras de Reis e Rainhas dispostas a encarar o sistema. Alessandra é contagiante nos eventos e palestras onde as pessoas admiradas por Alessandra sempre pedem para terem uma foto com ela: “elas ficam muito felizes porque se identificaram com uma advogada negra e vencedora”.
Em 2015 como advogada da Associação Taxista do Brasil (Abratáxi), Alessandra conseguiu vencer o processo e a Justiça determinou que 433 placas de táxi passem por novo processo licitatório. Mas esta vitória processual custou o sossego dela no campo particular: “sofri várias ameaças por ter mexido com pessoas brancas e poderosas num município racista, machista, misógino e homofóbico”. Para ela Juiz de Fora é hoje uma cidade segregada, onde a maioria dos pretos vivem empurrados para a marginalidade e à margem do pacto civilizatório por racismo estrutural: “e o judiciário brasileiro é reflexo fiel dessa sociedade”. Na chamada “sociedade alta” Alessandra não conseguiu ainda furar o bloqueio contra os negros, mas com o reconhecimento público notório de suas causas ganhas ela acabou conquistando a confiança das mulheres negras para defendê-las através da Lei Maria da Penha. Sua luta hoje é combater a violência covarde contra mulheres no campo verbal, corporal, moral, patrimonial e psicológico: “infelizmente muitas mulheres pressionadas pelo patriarcado ainda consideram violências uma coisa normalizada”.
Depois de defender muitas mulheres em relacionamentos abusivos, hoje ela presta assessoria e empresárias e empresários, mas com sua experiência relatou que: “em Juiz de Fora é muito difícil de uma pessoa preta sobreviver com dignidade”, apesar de pelo menos 56% da população ser preta ou parda. Até hoje nos seus trâmites e dia a dia no judiciário Alessandra ainda recebe olhares esquisitos: “como se eu não fosse desse planeta ou não pertencesse ao local aonde eu estou por conquista pessoal”. E ela dá os nomes aos bois: “nesse município de mais de 600 mil habitantes não existe nem um Juiz preto”, lamenta. Para reverter esse racismo estrutural Alessandra luta pelas ações afirmativas para a escolha de cargos comissionados nos poderes públicos e em todos os setores para a equidade de oportunidades e a justa ascendência do povo preto em todos os setores da sociedade. Ela acredita que a liberdade que lhes foi tirada no passado precisa ser restaurada ativamente para que os pretos participem de projetos que possam ser voltados para essa população específica: “isso não é discriminação contra os brancos, mas sim uma maneira de reverter as desigualdades gritantes”, afirmou. Para ela o Brasil precisa sim dar mais oportunidades e apoio para a reversão do racismo estrutural oferecendo mais apoio a quem precisa com bolsas, cotas e vagas para pretas e pretos. Alessandra pretende com sua trajetória ocupar um espaço de poder no município e abrir as portas para os pretos e pretas que: “a gente acaba vendo os pretos servindo, nas obras, levantando prédios, mas não em cargos de direção e decisão”. Muitos negros passam a vida servindo em restaurantes e ajudando brancos a fazerem fortuna e por problema de autoestima “não acreditam que podem abrir seus próprios negócios”. Alessandra acredita que isso tudo ainda é resquício da colonização: “onde os brancos ainda querem colocar os negros em lugar de subordinação e subserviência”, como se os negros somente vivessem para servir aos brancos.
Em 2017 perdeu o pai (foto acima com a mãe) para um câncer de pulmão e ela passou a buscar o resgate e reconstrução da família, guiada por Deus, mas destruída pelo assassinato do irmão: “se o Senhor quiser vou conseguir a paz com eles”. Alessandra vem tentando repensar toda sua ancestralidade e as forças das pessoas que a antecederam como mãe e tias que: “como muitos pretos sofreram desprezo, humilhação, pobreza, abandono, decepções e perseguições” e isso afetou toda uma geração psicologicamente e que hoje não tem estrutura pessoal para dar a mão e levantar as próximas gerações: “pois estavam focados no básico que é sobreviver”.
Suas conquistas Alessandra dedica a reverter isso e sempre que pode estende a mão a um preto ou preta para ajudá-los na caminhada. Dentro de suas possibilidades ela vem fazendo isso e em 2020 recebeu o Troféu Mulher Cidadã, na categoria Justiça, entregue pela Prefeitura de Juiz de Fora, homenageando 15 juizforanas de destaque. Ela foi considerada a primeira da geração dela a defender vítimas de crimes como racismo e homofobia, participa de ações sociais para mulheres e a colocação no mercado de trabalho. Sempre uma luta, em 2023 Alessandra passou na seleção e recebeu uma bolsa de 70% para cursar um mestrado em psicologia forense na Fundação Universitária Iberoamericana (FUNIBER), com este curso pretende focar na carreira como palestrante e perita de tribunais. Sua grande admiração no judiciário é sem dúvida o Ministro Joaquim Barbosa, por também ser negro e uma pessoa de um conhecimento jurídico invejável. Veja a reportagem (vídeo abaixo clicando na foto) sobre o sistema de cotas raciais onde Alessandra está ladeada por Ad Junior, outro juizforano negro que ganhou o mundo por sua própria competência.
Rindo para não chorar, ainda em 2023, Alessandra contou que era a única negra na aula de pilates na sua academia e foi vítima de racismo: “uma aluna virou pra mim e perguntou se eu morava e cuidava de uma senhorinha”, insinuando que aquele não era o local dela, que ela não poderia morar por ali e que local de negros é na subserviência trabalhando para alguém branca e supondo que com esse dinheiro ela pagaria a academia. Para Alessandra: “essa história de servir o sinhozinho está entranhada na nossa sociedade extremamente racista e não é um capítulo de Escrava Isaura”. Quando se formou em direito e passou a usar as roupas arrumadas, não tinha percebido o como o vestir define um preto: “se eu estiver de roupa simples as pessoas me confundem com empregadas, quando coloco meus terninhos eles acham que não mereço”. Porém, se um branco está de roupa simples ele está fazendo ginástica ou passeando: “então as pessoas rotulam os outros pela cor da pele e pela história de segregação brasileira”. Ela acredita que só os pretos poderão entender o que as pessoas pretas passam e “não adianta um branco querer se colocar no lugar de uma pessoa preta”. Junto com a jornalista Eliane Moreira e outros negros, Alessandra confessa que: "juntos lutaremos incansavelmente pela visibilidade da população negra em Juiz de Fora".
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