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Domingo, 08 de Setembro de 2024
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Lindolfo Hill - um outro olhar para a esquerda 16

A REVOLTA DOS CIVIS

Alexandre Müller Hill Maestrini
Por Alexandre Müller Hill...
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Lindolfo Hill - um outro olhar para a esquerda 16
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Para se fortalecer em 13.3.1964, no comício-monstro da Central do Brasil no Rio de Janeiro, o presidente João Goulart agitou os opositores e as massas que exigiam e apoiavam as reformas de base. Mais uma vez tinha sido o juiz-forano Clodesmidt Riani, à frente dos sindicatos CNTI e CGT, quem conseguiu mobilizar para o comício uma massa de mais de 200 mil pessoas. O comício coordenado pelo movimento sindical brasileiro foi co-organizado pelo PTB, PCB e CGT, apoiado pela UNE, pela FPN e pelas correntes de esquerda. Mas sabiam que seria difícil levar tantas “figuras” ao mesmo palanque com tantos interesses diversos, pois todos tinham a consciência que não existia unanimidade e falariam “linguagens diferentes”.

Durante sua fala de 66 minutos, o presidente João Goulart anunciou a implantação das reformas e assinou no palanque a desapropriação das refinarias particulares e das terras localizadas numa faixa de 10 km à margem das ferrovias, rodovias e açudes, em todo o Brasil para a reforma agrária, visando a tornar produtivas áreas inexploradas. O que para muitos erroneamente foi interpretado como a tentativa de implantar o socialismo no Brasil!
Na verdade, alguns militares de extrema-direita, mesmo antes do comício, já preparavam um golpe sob o manto de eliminar o comunismo, restabelecer a ordem e a democracia. O que a direita não conseguia entender é que predominava na maioria dos pensamentos de esquerda “lutar democraticamente pelas transformações” e o presidente João Goulart se propunha a enfrentar esses reais problemas do país; e isso desagradou as “classes dominantes”. Na verdade, antes de ser abatido militarmente Goulart já tinha sido abatido pela falta de apoio das elites civis, religiosas e militares. Nesse momento de tensão no país o presidente estava iludido e acreditava que as forças militares o apoiavam, assim discursou como quem contava com o apoio dos militares para as reformas.

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Declarou que: “Nenhuma força será capaz de impedir que o governo continue assegurando absoluta liberdade ao povo brasileiro e nenhuma força impedirá que o povo se manifeste livre e democraticamente. Para isso podemos dizer, com orgulho, que contamos com o patriotismo das bravas e gloriosas Forças Armadas desta nação.” Mas o estopim foi de fato a política. Naquele comício no Rio de Janeiro Leonel Brizola subiu ao palanque e (ambicioso para chegar ele próprio à presidência em 1965) propôs a formação de um governo “verdadeiramente popular”, destruindo com sua fala o poder conciliador de João Goulart. Brizola discursou, perguntando à multidão e recebendo aplausos prolongados: “Querem que continue a política de conciliação ou preferem um governo nacionalista e democrático? Aos que desejam um governo nacionalista e popular, peço que levantem as mãos.”

Esses fatos levaram o PCB para o isolamento, justamente na época em que os comunistas como partido estavam em ascensão, cresciam numericamente, influíam cada vez mais nos movimentos sindicais e em diversos outros setores da sociedade. Para uma ala radical dos militares o comício tinha sido um escândalo. Para eles era inadmissível um Presidente da República sair de seu palácio e ir à praça pública falar como um demagogo, sendo aplaudido por “todo tipo de gente” bem nas barbas da sede do Ministério da Guerra no Rio de Janeiro. Os militares de direita perceberam naquele comício que ou davam o golpe ou teriam que conviver com um país mais moderno e mais democrático, com uma face mais humana e justa ao país. Existia um medo dos burgueses e dos setores religiosos de que os comunistas fossem tomar suas propriedades, um medo também de parte dos militares contra o comunismo. Mas como Jango nem comunista era, a direita radical precisou criar um verdadeiro histerismo anticomunista que se extravasou em ódio e transformou-se em uma espécie de “guerra sagrada”, com a repressão, passando a ter um caráter verdadeiramente militarista e fora da lei, com os militares radicais não sendo contidos pela fraca liderança do general Humberto de Alencar Castello Branco.

Logo em seguida, com a inquietação causada pelo comício no Rio de Janeiro, o presidente João Goulart tentava reunir os generais no Palácio das Laranjeiras para garantir o apoio das forças armadas. A esta altura o general Amaury Kruel, que era o Comandante do II Exército, sediado em São Paulo, ainda garantia apoio ao governo. Próxima ao presidente, a cúpula do PCB, por reboquismo, também achava que o dispositivo militar de Jango seria suficiente para impedir um golpe, subestimando o próprio partido e a força da classe operária. A esquerda esqueceu que quem se mete com reformas populares enfrenta barreiras enormes num país subdesenvolvido e oligárquico como o Brasil. Dias após o comício, o executivo enviou uma mensagem ao Congresso, propondo as reformas de base, inclusive a reforma agrária sem indenizações.

A partir daí, o conflito político entre esquerdas e direitas se radicalizou, sem preocupação a de respeitar as instituições democráticas. A sociedade brasileira da época era na maioria extremamente conservadora e cristã. Como reação social ao comício do Rio de Janeiro, em São Paulo, no dia 19.3.1964, realizou-se a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, organizada por movimentos de mulheres, pelo empresariado guiado pelo IPES e pela igreja católica. Reuniram-se nas ruas mais de 500 mil pessoas do conservadorismo brasileiro e no Rio de Janeiro 2 milhões de pessoas foram para as ruas manifestar. A multidão clamava pelas tradições cristãs, contra a perda dos privilégios da classe média, das elites e da direita que defendiam a queda imediata de João Goulart por medo de um “avanço comunista”. Queriam somente uma “intervenção cirúrgica”, rápida para eliminar os “subversivos e corruptos” líderes populares da esquerda.
No dia 20.3.1964, o general Humberto Castello Branco, chefe do Estado- Maior do Exército, ligado à Loja Maçônica da Grande Estrela do Oriente, enviou uma circular aos oficiais do Exército sobre os “supostos” perigos do comunismo no país: “Os meios militares não são instituídos para declararem solidariedade a este ou aquele poder... as Forças Armadas não podem atraiçoar o Brasil... Defender os privilégios das classes ricas está na mesma linha antidemocrática de servir à ditaduras fascistas ou síndico-comunistas.” Disseminava-se assim uma afirmação fantasiosa que João Goulart estava em tratativas com Luiz Carlos Prestes para implantar um regime comunista no Brasil e esta ideia apavorou grande parte da sociedade. Tudo suposição golpista, pois o presidente legítimo João Goulart era sim um articulador das reformas e não um articulador da revolução.

Mas os grupos de direita sempre com medo de perder suas “propriedades” tem interesses concretos para defender e manter as posses que eles têm. Para esse fim é sempre mais fácil obter unidade e invocam sempre a ordem e a disciplina! Mas o que sabe o saciado sobre o faminto? E o que a elite (com bens) entende dos problemas e necessidades do povo (sem bens)? Nada! Com palavras de ordem, o líder Integralista ultra direita Plínio Salgado insistia e provocava: “o que esperam os brasileiros? 1) A escravidão? 2) A destruição da família? 3) O domínio do ateísmo? 4) Ameaça dos fundamentos do Lar, da mulher, da religião, dos direitos humanos e da soberania nacional?” Já no pensamento das classes mais pobres: 1) O escravo vinha sendo o povo desprivilegiado; 2) Quem destrói a família é a pobreza e a desigualdade; 3) O Brasil é um país laico e a liberdade religiosa um direito; 4) As reformas de base não destruiriam os fundamentos do Lar, os direitos humanos e a soberania nacional.

Porém para contextualizarmos não podemos esquecer que, nessa época, o Brasil era um país com uma população com mais de 75% de analfabetos sem direito do cidadão ao voto! Significando que somente 25% da população decidia sobre o destino de todos os brasileiros.

Naquele momento histórico, a Igreja Católica Romana, com 95% dos brasileiros, estava imbuída da luta anticomunista e no país inteiro os padres, usando-se dos púlpitos para “alertar” seus fiéis de que o comunismo estava chegando.293 Com medo de um suposto “comunismo ateu”, a hierarquia católica ainda favorecia as correntes moderadas, porém alinhada com a classe dominante conservadora. Era um olho no terço e outro no fantasma do comunismo.

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Alexandre Müller Hill Maestrini

Publicado por:

Alexandre Müller Hill Maestrini

Alexandre Müller Hill Maestrini é professor de alemão no Instituto Autobahn e autor de quatro livros: Cerveja, Alemães e Juiz de Fora, Franz Hill – Diário de um Imigrante Alemão, Lindolfo Hill – Um outro olhar para a esquerda e Arte Sutil.

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