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Na verdade, desde os anos 30, nos “porões da caserna o caldo já cozinhava”. Naquela época, o capitão do Exército Brasileiro Olympio Mourão Filho desempenhava funções no Estado-Maior da Milícia da Ação Integralista Brasileira. Já em 28.8.1963, em Juiz de Fora o então general Olympio Mourão Filho tinha assumido o Comando da 4. Região Militar do I Exército. Mourão, ex-membro da AIB, movimento de direita nacionalista-cristão liderado por Plínio Salgado, já vinha isoladamente a alguns anos desde 1937, preparando ideias de combate aos comunistas, acreditando que “restituiria a ordem democrática”. Na ocasião Mourão percebeu que poderia aproveitar de sua posição militar e da posição estratégica da cidade de pouco mais de 180 mil habitantes.
Em 27.3.1964, as tropas do general Mourão já estavam em Juiz de Fora MG mobilizadas para a partida. Em 28.3.1964, no Aeroporto da Serrinha em Juiz de Fora o marechal Odílio Denys e o general Mourão se reuniram secretamente com o governador de Minas Gerais Magalhães Pinto, o general Carlos Luís Guedes, o comandante da Força Pública Mineira coronel José Geraldo de Oliveira, o secretário de segurança pública de Minas Gerais José Monteiro de Castro e o deputado federal mineiro José Maria Alkmin. Eles intencionavam deliberar sobre as ações em conjunto e na ocasião ficou combinado “quando e como” seria o início da quartelada.
O plano articulado era o governador de Minas emitir um manifesto contra o presidente João Goulart e somente depois o general Mourão deslocar as tropas para a capital Rio de Janeiro, como uma “suposta” reação em apoio ao governador. O pretexto do manifesto seria que o presidente João Goulart estava criando uma república síndico comunista no Brasil. Terminada a reunião, o repórter Wilson Cid que estava ao lado do secretário José Monteiro de Castro perguntou jornalisticamente o que estava acontecendo? A resposta foi curta e grossa: “Ah, rapaz, vá cuidar de sua vida!”. Em 29.3.1964, domingo de páscoa, o general Mourão em Juiz de Fora já estava com tudo preparado para a quartelada. Neste dia, o comitê central do PCB se reuniu no Rio de Janeiro e Pedro Pomar considerou que o PCB seria pego de surpresa, pois liderados por Prestes (ele mesmo ex-militar e com passado de luta) continuava a acreditar na tradição democrática das Forças Armadas. O PCB estava redondamente enganado!
Em 30.3.1964, segunda-feira, sob ordens do general Mourão os veículos militares já interditaram os postos de gasolina para abastecer as tropas e lançaram a “Operação Silêncio”. O então capitão da PM, Edmar Moreira, era o responsável pela fiscalização. Para que as tropas pudessem se deslocar sem imprevistos e com o tanque cheio, ele controlava o racionamento. Por volta das 7h30min da manhã, a polícia civil já começou a efetuar as prisões, jogando como um bicho dentro do “camburão” o presidente do Sindicato dos Bancários e da Cooperativa de Consumo dos Bancários José Villani Côrtes, na rua Barbosa Lima esquina com a rua Batista de Oliveira e levando-o para a delegacia no outro lado da rua Batista de Oliveira quase esquina com a avenida Getúlio Vargas. Villani era um líder sindical influente na Zona da Mata mineira e declarava seu pensamento social: “Eu quero a sociedade mais justa, eu quero é direito pra todo mundo, eu quero uma limitação na receita de cada um, pra poder dividir pra quem precisa mais, eu quero um processo de igualdade relativa, procurar elevar mais o nível das pessoas que estão lá em baixo, quero mais justiça social.”
Na cidade, era Villani um dos que mobilizavam trabalhadores para comícios em apoio ao governo do presidente João Goulart; ele liderava greves, fechava os bancos e defendia ideais socialistas em Juiz de Fora.302 Depois de prendê-lo, as polícias cumpriram diversas outras ordens de prisão e as tropas de Mourão controlaram a central telefônica, os jornais e as emissoras de rádio, TV e também os correios e telégrafos, prendendo seu diretor regional Misael Cardoso. Era prontidão máxima no QG de Mourão, que se localizava no histórico prédio na rua Mariano Procópio 1180. Esta construção fora a moradia de Mariano Procópio Ferreira Lage e também hospedara o Imperador Dom Pedro II e sua família em 1861. Posteriormente este local viria a ser conhecido como a “Casa da Tortura”. Ainda neste dia, o governador Magalhães Pinto lança seu manifesto solitário, exigindo que as reformas respeitassem a ordem democrática.
O presidente João Goulart recebeu a notícia no Rio de Janeiro, mas não renunciou. Luiz Carlos Prestes, ainda não acreditando no golpe, foi se encontrar com os estudantes da UNE e se manifestou: “Não tenham medo. Eles que ponham a cabeça de fora!”. O PCB de Lindolfo Hill estava iludido, pois o movimento contra o governo era iminente e o general Kruel telefonou para Jango pedindo que este denunciasse publicamente um “suposto complô” comunista e rompesse com as forças radicais de esquerda. A esquerda calculou mal. Como era possível pensar que o imperialismo fosse permitir que o socialismo dominasse o Brasil? E pacificamente?! Na verdade, é a conjuntura internacional quem decide. Fiel aos seus princípios, João Goulart respondeu para o general Kruel que essas forças de esquerda representavam a maioria do povo brasileiro e elas queriam as reformas por ele anunciadas. Em resposta, o general declara que “sendo assim”, com essa negativa ele não estava com o poder de garantir absoluta fidelidade do II Exército.
Nos meios militares já se previa o movimento para os dias 2 ou 3, mas inesperadamente o relógio de Mourão se adiantara. Era o último dia de lua cheia, em 31.3.1964, às 5 horas, ainda na madrugada, o general Guedes recebe telefonema de Mourão para desencadear a “Operação Popeye” (alusão ao cachimbo de Mourão) e deslocar as unidades militares de Belo Horizonte e São João Del Rei para Juiz de Fora. Somado isso ao manifesto do governador Magalhães Pinto, na tarde do mesmo dia o general Mourão já estava no quartel preparado para ler “via rádio” uma proclamação e exigir que o presidente João Goulart renunciasse ou deixasse a presidência.
No Rio de Janeiro, o general Castello Branco (já consciente do ímpeto de Mourão) reúne-se, em Copacabana, cercado de oficiais, e expede formalmente as diretrizes básicas para os comandantes de tropas para a ação: 1) Restaurar a legalidade; 2) Restabelecer a Federação; 3) Eliminar o desenvolvimento do plano comunista de posse do poder; 4) Defender as instituições militares; 5) Estabelecer ordem para o advento de reformas legais.
Mas hoje, em 2021, precisamos rebater esses 5 pontos: 1) Não existia quebra de legalidade; 2) A Federação Brasileira não estava ameaçada; 3) Existia um plano comunista sim, mas e daí? Isso é democracia. Quem proibiu o pluripartidarismo foram outros governos autoritários; 4) Ninguém estava destruindo as instituições militares; 5) Não existia desordem no país, mas sim uma maioria em nome das propostas de João Goulart.
Não é isso a democracia?
Mas voltemos para o dia 31.3.1964. Logo pela manhã, em Juiz de Fora, as empresas de comunicação receberam a notícia de que o pronunciamento de Mourão seria às 17 horas. Os repórteres da Rádio Industrial, Wilson Cid e Heitor Augusto de Lery, correram para o quartel no bairro Mariano e acabaram fazendo uma histórica transmissão ao vivo. Naquela época, em Juiz de Fora, ouvir a AM ZYT-9 Rádio Industrial, significava estar bem informado. Juiz de Fora contava ainda com a Rádio Sociedade (PRB-3) na época que o país vivia a Era de Ouro do rádio. A emissão radiofônica dos juizforanos da Rádio Industrial caiu como uma bomba de repercussão imediata em todo o Brasil. Logo o comando militar de Juiz de Fora pedia para que a Agência Nacional não retransmitisse o programa A Voz do Brasil, que, neste momento, já estava transmitindo o Ato de Desligamento do general Mourão do comando da 4. Região Militar. No mesmo dia da proibição da emissora nacional de transmitir livremente, em todo o país iniciaram as prisões.
Na verdade, a quartelada de Mourão começou como um blefe, pois as pequenas tropas de Mourão seriam facilmente dizimadas pela enorme força da Polícia Militar do Rio de Janeiro e dos aviões-bomba da Aeronáutica estacionados na capital. Percebendo a importância do momento, a Rádio Industrial montou no local um centro de imprensa e acompanhou de perto os movimentos do general Mourão, conversando por telefone com o general Amaury Kruel, que era o Comandante do II Exército, sediado em São Paulo. Mas a adesão de Kruel ao golpe só se daria, praticamente, no momento em que este foi deflagrado pelo general Mourão. Só depois do “ímpeto golpista” do general Mourão é que o general Kruel retirou o apoio ao presidente João Goulart e mobilizou as tropas do II Exército para a sublevação militar e sítio ao estado da Guanabara. Mourão ligou também para o governador Magalhães Pinto, depois para o general Carlos Luís Guedes em Belo Horizonte sob os olhares dos radialistas e jornalistas com seus microfones preparados.
Os ventos nacionais tinham mudado e a política de Juiz de Fora, cidade natal de Lindolfo Hill, tentava se adaptar; a Câmara Municipal de Juiz de Fora, que, no dia 30.3.1964, tinha concedido título de cidadão honorário a Leonel Brizola pela brilhante campanha em prol da legalidade do governo do presidente João Goulart; já na sessão ordinária seguinte, no dia 31.3.1964, iniciada às 19h35min, tendo em vista o pronunciamento que o general Mourão tinha feito à tarde, a CMJF aprovou requerimento de congratulações ao general Mourão. Segue-se na CMJF uma sessão noturna “extraordinária” na qual o vereador Pedro Castro pede a revogação do título concedido no dia anterior a Leonel Brizola, justificando que Brizola nos “dias atuais” não representa a democracia e concita o povo a revoltar-se contra a Câmara Federal e o Senado, pedindo o fechamento do Congresso. O vereador ainda discursa, dizendo que confia na glória das Forças Armadas. A sessão foi encerrada somente às 22h20min!
Em 1.4.1964, às 4 horas, ainda na madrugada, raios, trovoadas e chuva torrencial na descida para o Rio de Janeiro efetuada “teoricamente em sigilo” pelos militares comandados pelo general Olympio Mourão Filho. Sabedor e bem informado, o presidente João Goulart ordena ao Comando Aéreo de Santa Cruz, fiel ao presidente na capital federal, para que sobrevoasse as tropas que estavam em movimento já em Paraíba do Sul-RJ, na divisa com Minas Gerais. O comando aéreo comunicou ao presidente a situação e que poderia abater a “quartelada”, ainda na descida da serra, pois os aviões de ataque já estavam com as metralhadoras montadas. Porém o presidente Goulart, já percebendo que não teria o apoio dos altos comandantes militares, preferiu não agir e os aviões retornaram para a base aérea. Assim, ao chegarem na Capital Federal, as tropas de Mourão não receberam resistência e ficaram acantonadas no Maracanã. A notícia já tinha se espalhado e o presidente decidiu ir se reunir com seus aliados em Brasília, seguindo num avião Viscount do aeroporto Santos Dumont (RJ) com destino à Brasília (DF).
O Congresso nacional é o maior símbolo da democracia e fechar esta instituição é o primeiro passo das ditaduras. Nessa época, a viagem durava pouco mais de duas horas e João Goulart chegou em Brasília por volta das 16:30 horas. O presidente reuniu-se, na Granja do Torto, com o líder da maioria na Câmara, Tancredo Neves, com o líder do PTB na Câmara, Doutel de Andrade e com o líder do PTB no Senado, Artur Virgílio. Jango relatou sobre o telefonema que a presidência tinha recebido do embaixador americano Lincoln Gordon, em uma clara ameaça, que o governo norte-americano já estaria disposto a reconhecer um governo provisório.
Nessa ocasião Jango escreveu uma declaração: “Numa noite em que as forças reacionárias desencadeiam, mais uma vez, o golpe contra as instituições democráticas e contra a libertação econômica da pátria, reafirmo minha inabalável decisão de defender esse mesmo povo contra as arremetidas da prepotência e da pressão do poder econômico.” Ass. João Goulart
O líder do PTB na Câmara dos Deputados, Doutel de Andrade, reuniu depois a bancada do PTB e informou que o presidente resistiria no Rio Grande do Sul onde tinha o apoio do III Exército. O Presidente foi buscar seus documentos e a família para, na sequência, voar para Porto Alegre, com vistas a mobilizar suas forças e aliados e resistir à quartelada. Por volta das 19h30min, João Goulart partiu angustiado para Porto Alegre RS num avião da companhia Varig.
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