Por Alexandre Müller Hill Maestrini, professor e escritor
Como parte das comemorações do aniversário de 172 anos do município de Juiz de Fora, neste dia 30.5.2022 a Prefeitura Municipal de Juiz de Fora pretende conceder à Rosa Cabinda uma Comenda Henrique Halfeld. Porém este gesto ao invés de valorizar a ex-escravizada do próprio Henrique Halfeld, presta uma descabida afronta póstuma.
Foi no arraial de Santo Antônio do Juiz de Fora, do século XIX, que as histórias de Rosa Cabinda e de Henrique Halfeld se cruzaram. Os barões do café se espalhavam por seu entorno com 2/3 da população local composta de escravizados, a maior população de escravizados de Minas Gerais, com 19.351 indivíduos. O engenheiro Henrique Halfeld nasceu no território da atual Alemanha e veio para o Brasil, onde casou-se com Cândida Maria Carlota, filha de Antônio Dias Tostes, grande fazendeiro local. Assim Henrique Halfeld tornou-se um dos co-herdeiros da “Fazenda do Juiz de Fora”. Em 1866, Halfeld se tornara “proprietário” de 41 pessoas escravizadas, dentre elas, Rosa Cabinda.
Uma mulher negra, sequestrada a seu território de origem e provavelmente Rosa foi embarcada para o Brasil no Porto de Cabinda (Angola). As pesquisas históricas indicam que em 1866 ela era uma das escravizada do casal Cândida e Halfeld. Com a morte de Candinha, Rosa passou a “pertencer” ao Comendador Halfeld. Ela tinha uma filha também cativa de Halfeld. Em setembro de 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre, que possibilitava aos cativos que comprassem dos seus senhores a própria liberdade. Com base nesta lei, em 1873, Rosa Cabinda com 44 anos requereu sua liberdade pelo valor do inventário da falecida de 1867, quatrocentos mil réis. Ela seguiu a lei e depositou em juízo trezentos mil réis, alegando que naturalmente havia sofrido desvalorização desde o inventário. Porém o Comendador Henrique Halfeld negou-se a libertá-la. Na negativa de liberdade o Comendador argumentou que Rosa valia mais. Por pressões familiares, Halfeld cedeu e concordou que a libertaria após nova avaliação. Em 1873 Rosa Cabinda finalmente conquistou na Justiça o direito à liberdade, exemplo para tantos outros escravizados.
A medalha Henrique Halfeld criada em 1973 pelo município de Juiz de Fora é oferecida como mérito aos cidadãos e cidadãs que se destacaram nas mais diversas áreas e prestaram serviços relevantes para a sociedade juizforana. Em contraposição foi criada em 2018 a medalha Rosa Cabinda, cujo objetivo é homenagear mulheres da cidade e região por seus feitos na sociedade. Por mais bem intencionados que o PMJF tenha sugerido em 2022 esta medalha para Rosa Cabinda, ela e Henrique Halfeld eram personagens antagônicos, em campos de luta diferentes, ela a oprimida e ele o opressor. Suas histórias não comportam conciliação póstuma e o passado nos ensina que devemos sim lembrar para jamais esquecer. Lembrar para que não opressões como essa não se repitam. Então como oferecer postumamente para Rosa Cabinda uma comenda com o nome do seu algoz? Simbolicamente significa submetê-la novamente ao seu opressor. Do mesmo jeito seria uma absurdo condecorar o falecido Henrique Halfeld uma Medalha Rosa Cabinda, que com certeza recusaria a oferenda. Como os dois não estão mais vivos para se reconciliarem, ela é hoje uma mulher indefesa diante da História. Temos que protegê-la.