A discussão sobre o combate aos maus tratos animais ganhou força no Brasil na última década, impulsionada por uma sociedade cada vez mais conectada a pautas de bem-estar animal. Enquanto avanços legislativos e iniciativas de ONGs marcam progressos, desafios como a aplicação das leis, divergências culturais e interesses econômicos revelam a complexidade do tema.
No Brasil, a Lei Federal 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) criminaliza práticas de abuso, mutilação ou morte de animais, com penas que variam de multas a detenção. Em 2020, a Lei 14.064 ampliou a proteção, aumentando penais para casos envolvendo cães e gatos. Apesar disso, especialistas apontam lacunas: “A lei é genérica e não detalha proteções específicas para animais de produção, como bois e galinhas”, explica Carla Lettieri, diretora da ARCA Brasil, ONG dedicada à causa.
Dados do IBGE (2022) indicam que apenas 15% das denúncias de maus tratos resultam em condenações, reflexo da falta de estrutura para investigações e da priorização de outros crimes. Alguns estados, como São Paulo, criaram delegacias especializadas em crimes ambientais, mas a cobertura ainda é irregular.
ONGs como a Proteção Animal Mundial e o Fórum Nacional de Proteção Animal atuam em duas frentes: educação e pressão por políticas públicas. Programas em escolas, como o “Animal em Foco”, ensinam crianças sobre posse responsável. Já plataformas digitais, como o aplicativo “Bichos na Mente”, facilitam denúncias anônimas, que triplicaram desde 2021, segundo a ONG Renctas.
No setor público, o Ministério do Meio Ambiente lançou em 2023 a campanha “Animal Não é Brinquedo”, focada em combater o abandono. Paralelamente, projetos de lei em tramitação, como o PL 1.095/2023, buscam proibir testes cosméticos em animais — prática já banida em 42 países.
O tema, porém, enfrenta resistências. Setores agropecuários criticam propostas de regulamentação mais rígida para animais de produção. “A pecuária brasileira segue normas sanitárias internacionais. Criminalizar práticas culturais, como vaquejadas, é um desrespeito a tradições”, argumenta Rui Vargas, representante da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Religiões de matriz africana também entram no debate: sacrifícios de animais em rituais, previstos na legislação como exceção por liberdade religiosa, são alvo de críticas de ativistas. “Precisamos equilibrar direitos constitucionais e ética animal”, pondera o antropólogo Carlos Nobre, da UFBA.
Internacionalmente, o país está aquém de nações como Alemanha e Nova Zelândia, onde leis reconhecem animais como seres sencientes (capazes de sentir dor e emoções). Na UE, multas por maus tratos podem chegar a 100 mil Euros, enquanto no Brasil a média é 5 mil Reais. Por outro lado, o Brasil é pioneiro em políticas para animais silvestres, com 1,4 milhão de resgates registrados pelo Ibama em 2023.
“Não há fórmula mágica. O avanço requer mudança cultural, que é lenta, mas já está em curso”, conclui a promotora Andrea Mello, do GAEMA (Grupo de Atuação Especial em Meio Ambiente). Enquanto isso, o Brasil segue dividido entre tradições arraigadas e uma ética animal em transformação.
Fonte: IBGE, Ibama, OIE
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