Olá, amigos leitores da RCWTV. Hoje proponho uma conversa sobre o Sexo. Quero conversar sobre o tema pensando que tudo isso anda um tanto bagunçado na nossa sociedade e percebendo que tem trazido uma série de conflitos emocionais, tanto para as mulheres quanto para os homens.
Nos dias de hoje, há uma crença, quase que generalizada, de que as pessoas fazem mais sexo do que no século passado. Mas revendo alguns estudos sobre o assunto me deparei com um grande escrito feito pela Universidade Atlântica da Flórida sinalizando que pessoas nascidas a partir da década de 90 fazem menos sexo do que seus antepassados, pasme, na década de 20. O referido estudo foi publicado na revista Archives of Sexual Behavior.
No referido estudo, restou demonstrado que 15% dos Millenials (apelido dado as pessoas nascidas na década de 90) engajaram em uma quantidade menor de atividade sexual do que os nascidos na década de 60.
O professor Ryne Sherman, da Faculdade de Ciências da Universidade Atlântica da Flórida, afirma que seu estudo é claro no sentido de que mesmo havendo uma gama enorme de meios de facilitação, para se conseguir um parceiro para o ato, estranhamente as pessoas estão fazendo menos sexo.
No mesmo sentido, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano também sinalizou para o fato de que 41% dos jovens do ensino médio ainda são virgens e isso nos levou justamente a questionar sobre os motivos desse descompasso entre a percepção da realidade e o que de fato acontece.
Sherman afirma que as razões para esta mudança são complexas, mas que os fatores podem incluir mais educação sexual, uma maior consciência sobre as doenças sexualmente transmissíveis, acesso fácil à pornografia e, talvez, diferentes definições entre as gerações do que é o sexo.
De alguma forma, saber mais sobre sexo e poder vê-lo em vídeo não se traduziu em mais sexo real para os jovens de hoje. Segundo Sherman, o aumento do individualismo observado nos Millennials pode estar influenciando na maneira como eles sentem a pressão para adequar seu comportamento ao de outros jovens.
Um ponto que salta aos olhos é justamente o da liberdade de acesso a tanta pornografia, tanta exibição de corpos, somadas ao individualismo e egoísmo tão marcantes em nossa sociedade. O ato sexual deixou de ser algo da ordem do desejo e passou para a ordem do querer.
Historicamente, o ato sexual sempre esteve conectado a um sentido de proibido, onde as pessoas tinham que fazer toda a corte para conseguir ir para a cama com outra pessoa.
O sexo, no passado, se ligava ao Desejo. Hoje, com a facilidade de obtê-lo, fez com que tal ato tornasse banal. Essa banalidade não faz laço com o Desejo. Não estou falando de tesão, estou falando de Desejo, como aquilo que habita a psiquê do sujeito.
O désir (desejo em francês) ou o Wunch (termo em alemão) designa o campo de existência da pessoa sexuada. Isto vai além do instinto biológico reprodutivo. Lacan dizia que o Desejo estabelece a relação intrínseca entre o campo de natureza animal do sujeito e a sua captura pela linguagem, na demanda de amor que se dirige ao outro. Em outras palavras, o Desejo se conecta com a nossa experiência animalesca combinado com a demanda que dirigimos ao outro. Da fusão destes dois pontos é que nasce a demanda de amor.
O desejo é o elemento que move o aparelho psíquico, fazendo com que ela sonhe, anseie. O desejo é da ordem da existência enquanto sujeito, a ausência de desejo é a presentificação da pulsão de morte que é a tendência nossa à inação.
O Desejo surge da frustração, da negativa de acesso, do barramento, pois as pulsões exercem pressão sobre o indivíduo e este, barrado pelas questões sociais (moral, leis, etc), se vê compelido a não realizar seu querer.
Em uma sociedade em que tudo é permitido, não há essa pressão e por conseguinte não há o barramento. Não havendo barramento, não há o desejo. Assim, quando uma pessoa parte para o ato sexual sem qualquer barramento, o coito se torna uma mera fricção de genitálias rumo a um orgasmo fisiológico e não ao gozo verdadeiro.
Outro fator que colabora para essa queda na atividade sexual é a própria forma de organização da sociedade. Hoje, o Eu passa a ter mais evidência do que o todo, e isso se revela na produção maciça de objetos na atualidade. Essa plêiade de objetos, atendente de uma demanda mercadológica, acaba por definhar o sujeito do desejo. Desta forma as pessoas, na contemporaneidade são compelidas a gozar em demasia naquilo que não serve para nada.
Através de um simples olhar mais apurado, percebe-se que nossa sociedade está desejosa de gadgets, que influenciam no isolamento social. E esse isolamento também leva a um gozo cada vez mais auto-erótico e, desta forma, não há espaço para o outro e, não o havendo, não haverá o Desejo do encontro.
A partir do momento que o gozo se coisifica em objetos, em gadgets, e tomando como ponto de partida as posições lacanianas, onde temos que a palavra Gozo possui duas acepções para o substantivo Jouissance e para o verbo jouir. Este verbo, segundo o dicionário online TLFi, significa experimentar gozo, prazer, um estado de bem estar físico e moral procurado em de alguma coisa, cujos sinônimos são: provar, aproveitar de, regozijar-se de, saborear; possuir. Neste sentido, estando o gozo satisfeito com coisas, não há sentido para a busca do outro, provocando assim a agonia de Eros e, por conta disso, o contato sexual torna-se desnecessário, pois o gozo se realizou em outra instância.
Novamente recorrendo a Lacan, o gozo é muito mais do que uma experiência corpórea, ele é na verdade algo que transcende o próprio corpo. Assim, quando o sexo, não é mais barrado pelos “tradicionais” empecilhos de outrora, o barramento necessário, para advir o gozo, migra para outro lugar e se deposita nas coisas e não no Outro.
O encontro sexual não tem roupas de marca, posições, caras e bocas ensaiadas. O verdadeiro e efetivo encontro com o outro se dá com a alma nua. É aquele momento onde duas pessoas se despem de suas personas encobridoras dos sentimentos. Infelizmente como estamos tão bitolados a nos olharmos no espelho e ratificar essa visão em milhares de fotos para serem postadas nas redes sociais, o Eu verdadeiro perece, pois nossa identidade é sempre dada pelo outro. Isso nos trouxe a mercantilização do sexo e acabamos por esquecer que sexo, transar, me perdoem a palavra, foder e, num limite, amar não é uma questão auto-erótica e sim um ato de doar-se a alguém.
Quero terminar com o pensamento de Eunilto Carvas, que sabiamente escreveu: “o desejo do prazer sexual é o desejo inconsciente de alcançar a plenitude do ser”. Ora, numa sociedade em que o Ter é mais importante do que o Ser, sendo o sexo coisificado e a plenitude das pessoas somente sendo atingidas pelo que se tem e não pelo que se é, não há outra saída a não ser depositar nas coisas o gozo, deixando de lado a essência humana.