Se o rombo contábil de R$ 20 bilhões, reportados pelo o ex-CEO da Americanas, em 11 de janeiro, foi considerado um mega rombo, o que se pode dizer dos R$ 43 bilhões apurados até agora?
Tudo o que se lê ou que se ouve sobre o passivo oculto da Americanas suscita muitas dúvidas, por exemplo: qual é o tamanho real do passivo oculto da Companhia? Se foi declarado que era R$ 20 bilhões e, depois de um mês, passou para R$ 43 bilhões, a pergunta que não quer calar é, quanto mais está por vir? Por enquanto, os interessados têm que esperar a republicação das Demonstrações Financeiras da companhia para saberem quanto é o tamanho “real” do rombo e se o acerto do passivo será lançado contra a conta de resultados.
Espera-se que até a republicação das DF`s seja esclarecido qual foi o estratagema utilizado para ocultar esse rombo dos acionistas de referência, do comitê de auditoria, da auditoria externa, das agências de rating, dos financiadores, das securitizadoras, dos analistas de mercado, dos administradores e gestores de fundos de investimentos, e dos fornecedores, que por dever de ofício deveriam conhecer a situação patrimonial e creditícia da empresa e o risco reputacional dos acionistas controladores.
O que se pode aduzir até agora é que, dada a astúcia de quem conseguiu a proeza de ocultar R$ 43 bilhões do passivo da companhia, a abominável arte de “maquiar” balanços, a que se chama de contabilidade criativa, no caso da Americanas, pode ser denominada de “a mágica da contabilidade” pela sua capacidade de tornar invisível, um passivo dessa magnitude apesar dos princípios de governança e de controles concebidos até então para evitar casos dessa natureza.
Certamente os acionistas minoritários, debenturistas, cotistas de fundos, principalmente os mais humildes, aturdidos pelos impactos dos prejuízos sofridos, estão se perguntando para que servem as auditorias e as agências de rating e, se agora as referidas firmas/agências estão analisando de forma adequada os critérios para a constituição da PCLD adotados pelos fundos que detêm papeis da Americanas em suas carteiras.
Em meio a tantas perguntas sem respostas, as duas mais recorrentes sobre esse caso são: Trata-se de uma fraude ardilosa; ou de uma falha grosseira dos sistemas de governança e de controle?
Pelo que se depreende do que já foi noticiado até agora, a hipótese de fraude não está descartada e certamente estará no escopo das investigações das autoridades, sobretudo, da CVM-Comissão de Valores Mobiliários.
Seja qual for a situação, os acionistas de referência sabem das suas parcelas de responsabilidade no caso. Talvez por isso, já se adiantaram em declarar que desconheciam a existência dos problemas contábeis da Companhia.
Porém, se essas declarações forem verdadeiras, caberá ao contador explicar como e por que ele, por sua conta e risco, como um hábil mágico, conseguiu ocultar esse passivo astronômico dos olhos dos seus superiores hierárquicos, das auditorias interna e externa e dos demais usuários das informações contábeis da companhia.
Ainda sobre os pronunciamentos dos acionistas da 3G Capital, alegando completo desconhecimento do problema contábil da Americanas, pairam as seguintes dúvidas: Como pode empresários tão experientes, ícones do mundo capitalista, considerados como exemplo de gestores, continuarem repetindo os erros de governança do passado, como os verificados em outras empresas por eles controladas: Banco Garantia, ALL-América Latina Logística e Kraft Heinz?
Vale também mencionar o risco assumido pelos “Bancões”. Pois, considerando os recursos de que dispõem as instituições financeiras para avaliação do risco de crédito de seus clientes e o risco reputacional dos controladores das pessoas jurídicas, há que se supor que essas instituições não desconheciam o montante dos empréstimos e/ou financiamento tomado pela Americanas no sistema bancário, nem o histórico de problemas contábeis de empresas controladas pela 3G Capital. Portanto, aduz-se que elas sabiam o risco que estavam assumindo.
Diante de tantas situações de perplexidade, não se pode deixar de destacar a ineficácia das avaliações da auditoria externa e das agências de rating no caso da Americanas.
Pelo exposto, depreende-se que o passivo oculto da Americanas alcançou esse montante astronômico, cerca de R$ 43 bilhões, superior a 3 vezes o Patrimônio Líquido da empresa, por falhas graves dos responsáveis pelo sistema de governança da companhia, dos analistas de crédito das instituições financeiras e dos auditores internos/externos. Espera-se que as perdas sofridas por conta desse caso sirvam de lição para que se evitem outros da mesma natureza no futuro.
*Valdir Alves dos Santos é Mestre em Controladoria e Finanças empresariais, professor de Disciplinas dos Cursos de Contabilidade e de Gestão Fiscal e Tributária na UniPaulistana.