Um milagre chamado trabalho. "Quando se rega um sonho com fé, Deus abençoa a colheita". Esse poderia ser o resumo, não só da história contada pela ópera "Devoção", mas de sua própria produção. Após meses de trabalho intenso e a participação de mais de 600 técnicos e artistas, a pré-estreia de "Devoção" ocorreu na cidade de Congonhas, onde, no século XVIII, se desenrola a trama original. A obra combina uma lenda milenar e uma história real secular sobre as origens da devoção ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos.
A apresentação teve início estrategicamente ao pôr do sol, atingindo seu ápice com as luzes e cores de uma noite agradável, uma verdadeira bênção. O tributo à alma de Minas Gerais aconteceu no sábado, 13 de julho, no adro e nas escadarias do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, e foi acompanhado por centenas de pessoas reunidas em frente à igreja, nas casas, janelas e sacadas ao redor. No interior do monumento, a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, sob a regência da maestra e diretora musical Ligia Amadio, interpretou a partitura composta por João Guilherme Ripper. Já no adro e nos degraus da Basílica, solistas convidados, integrantes do Coral Lírico de Minas Gerais e do Coral Cidade dos Profetas, juntamente com bailarinos da Cia de Dança Palácio das Artes, apresentaram-se sob a direção cênica de Ronaldo Zero.
A ópera em dois atos foi encomendada pela Fundação Clóvis Salgado (FCS) e tem libreto assinado por André Cardoso. "Devoção" é a 95ª produção operística da instituição e abre a temporada 2024. Inspirada em fatos históricos, a trama segue Feliciano Mendes, um homem simples, corajoso e devoto que, no século XVIII, deixou seu pobre Norte de Portugal, atravessou o Atlântico e chegou a Minas Gerais em plena corrida do ouro. Enriquecido com o metal precioso e acometido por uma grave doença, Feliciano fez uma promessa: se fosse curado, construiria uma igreja em Congonhas, o atual Santuário do Bom Jesus de Matosinhos – "Patrimônio Cultural da Humanidade", pela UNESCO.
Leia Também:
Com cerca de 230 figurinos e 500 adereços, a pré-estreia impressionou o público ao se apropriar narrativamente da majestosa paisagem do patrimônio e iluminar a igreja e seu entorno de uma forma nunca vista. Marcilene Ferreira, professora particular em Congonhas, ficou encantada com a apresentação. "Isso faz parte da nossa história, da memória de Congonhas; é fundamental que esse passado seja conhecido por nós, mas também por quem não é daqui. Adorei a união do Feliciano e de sua esposa Mercês, foi um trabalho magnífico dos cantores e de todos os outros artistas envolvidos. Fiquei especialmente emocionada com a percussão e com esse resgate do congado. Isso fala muito do sincretismo da nossa religiosidade e da própria tradição mineira", ressaltou.
Marília Ananias e Antônio Carlos Monteiro, que vieram de Barbacena, ficaram hipnotizados com sua primeira ópera. Marília, que sequer conhecia Congonhas, resumiu a experiência: "Emocionante, não tirei os olhos. E que cenário!". O casal é um exemplo de como a cultura contribui para a economia da cidade, tendo jantado, comprado lembranças e se hospedado em hotéis e pousadas.
A grande produção da Fundação Clóvis Salgado chega agora a Belo Horizonte, com récitas nos dias 19, 20, 22 e 23 de julho, às 20h, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes. Os ingressos já estão à venda, com valores de R$ 60,00 a inteira e R$ 30,00 a meia-entrada, disponíveis na bilheteria do Palácio das Artes e na plataforma Eventim.
A funcionária pública Raquel Santos, que mora em Congonhas e acompanhou a pré-estreia, assegura que vai convidar todos que conhece para assistirem à ópera também em Belo Horizonte. "Sendo de Congonhas, foi muito especial, para mim, testemunhar essa produção nesse cenário maravilhoso. A história de Feliciano e de sua devoção ao Bom Jesus reafirmam a fé de Congonhas, e isso foi o que mais me emocionou. Foi um marco para a cidade. Eu só tenho a agradecer e vou fazer o possível para que mais pessoas descubram essa história agora nas apresentações em Belo Horizonte, e que essa jornada ganhe o mundo", espera.
Ao fim da apresentação, a impressão de que alguns profetas do Aleijadinho baixaram, outros levantaram e todos juntaram as mãos em pedra-sabão, aplaudindo "Devoção". Mas foi apenas uma impressão. Ou não? Afinal, a profecia da comunhão entre o divino e o humano concretizou-se. Os deuses, mesmo os de granito, sorriram para sua melhor criação, o homem.