A batalha para combater o alcoolismo no Brasil é um esforço conjunto entre o Estado, a sociedade civil organizada e famílias, mas continua cercada por desafios.
Apesar de avanços nas últimas décadas, especialistas concordam que ainda há muito a ser feito para ampliar a prevenção, o acesso a tratamentos e o acolhimento das pessoas afetadas pela dependência alcoólica.
Segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS), a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) conta com mais de 6.300 unidades no Brasil, incluindo 3.019 Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Essas unidades oferecem tratamento gratuito e universal para questões relacionadas ao consumo de álcool, em regime de acesso livre e sem necessidade de agendamento prévio. Algumas estão abertas 24 horas e contam com leitos para internação temporária. Porém, profissionais da área apontam barreiras importantes, como a falta de especialistas, carência de medicamentos específicos e o estigma social associado ao alcoolismo.
A socióloga Mariana Thibes, do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), chama atenção para a desigualdade no impacto da dependência alcoólica. Mulheres negras estão entre as mais vulneráveis, não por apresentarem taxas de consumo mais altas, mas devido a fatores como racismo, machismo e dificuldades de acesso ao sistema de saúde. A combinação de discriminação, falta de infraestrutura nas comunidades e estresse crônico aumenta a suscetibilidade a padrões abusivos de consumo e dificulta a busca por tratamento.
História de superação
Entre as histórias de êxito está a do aposentado Bernardino Freitas, de 60 anos, que decidiu buscar ajuda ao perceber o impacto do álcool em sua saúde e nas relações familiares. Após procurar um Caps, Bernardino iniciou uma jornada que inclui grupos terapêuticos e, dois anos depois, relata ter recuperado sua qualidade de vida.
Além do aparato público, organizações privadas complementam a rede de apoio.
A InterHelp Internação, por exemplo, atua na triagem, orientação e encaminhamento de pessoas com dependência química e alcoólica para uma clínica para dependentes químicos credenciados. O foco, segundo a organização, é assegurar que o paciente receba o cuidado mais adequado e seguro.
Publicidade e prevenção
Outro ponto que preocupa especialistas é o impacto da publicidade no consumo de bebidas alcoólicas, especialmente entre jovens. Embora a legislação brasileira restringe anúncios desse tipo, a falta de fiscalização em redes sociais e entre influenciadores digitais abre espaço para conteúdos que glamourizam o consumo. Estudos mostram que a exposição precoce ao álcool pode ser um fator determinante no estabelecimento de hábitos abusivos.
Para a psiquiatra Olivia Pozzolo, as famílias desempenham um papel crucial na prevenção e no tratamento. Identificar sinais como perda de controle, consumo frequente e aumento da tolerância pode ser decisivo. Segundo ela, oferecer um espaço de acolhimento, livre de julgamentos, é essencial para encorajar a busca por ajuda.
Apoio coletivo e redes de recuperação
A sociedade civil também é uma peça importante nesse cenário. Um exemplo é a Irmandade de Alcoólicos Anônimos (AA), que há quase 90 anos auxilia pessoas a superar a dependência alcoólica. No Brasil, são mais de 3.800 grupos ativos, com reuniões presenciais e virtuais. A participação é aberta a qualquer pessoa com o desejo de parar de beber, sem julgamentos ou burocracias.
Ana*, uma participante do AA que começou a beber aos 12 anos, encontrou no grupo um espaço de acolhimento e uma rede de apoio. Após anos de luta contra o alcoolismo, ela relata que a persistência e a solidariedade experimentadas ajudam a reconstruir vidas.
Embora o Brasil tenha uma rede de suporte robusta para combater o alcoolismo, especialistas alertam que é preciso avançar em políticas públicas que enfrentem barreiras estruturais, ampliem o acesso ao tratamento e combatam o estigma que ancora o problema.