Olá amigos da RCWTV.
Proponho hoje uma reflexão um pouco mais densa. Quero refletir sobre o quem somos. Vou tentar trazer a reflexão sobre o nosso papel enquanto sujeito na sociedade e, principalmente, no momento em que o Brasil está polarizado. Onde as pessoas estão fazendo da pandemia um verdadeiro palanque e discutindo de uma forma que me parece, desculpa a palavra, imbecil, a realidade brasileira e como vamos atravessar essa situação crítica.
Usualmente escrevo usando palavras doces, palavras que, mesmo tratando de assuntos espinhosos, não firam ninguém e contribuam para uma nova reflexão sobre determinados assuntos. Acontece que ao ver uma pessoa falar “e daí” para os mortos e outra falando que “ainda bem” que há mortos, não consegui parar de lembrar da fala de Barack Obama no sepultamento de Nelson Mandela: ele abre seu discurso dizendo “UBUNTU”.
Assim como a palavra saudade na língua portuguesa, a palavra unheimlich em alemão, ubuntu também não possui uma tradução compatível para outros idiomas. Ela representa uma concepção, uma ideia que sintetiza algo muito mais profundo e inatingível em outros idiomas.
Se posso me atrever a dar uma “tradução”, seria “eu sou porque somos.” Em outras palavras, somente consigo me constituir como um ser humano porque faço parte de um todo maior, porque há um senso de pertencimento e o fundamental, a minha existência somente tem sentido quando imersa em uma coletividade. Ubuntu traz em si o que há de mais elevado no ser humano, os sentimentos altruístas de solidariedade, cooperação, respeito, acolhimento e generosidade, de tal forma, que nosso comportamento além de nos trazer satisfação interna, também traga benefícios para a sociedade.
Saindo um pouco da palavra Ubuntu, quero refletir sobre o que é ser brasileiro e nesse sentido, ser brasileiro é, antes de mais nada, ter um erro na grafia da nacionalidade, pois se olharmos pelas regras de ortografia deveríamos ser chamados de brasilianos ou brasiliense e não brasileiro.
O sufixo “eiro” exprime a ideia de ocupação, ofício, ou seja, quem nasce aqui seria aquele que trabalha com brasil, ou melhor dizendo, com pau brasil. Já o sufixo “ano” ou “ense” ligam o substantivo a uma origem, isto é, traz em si a ideia de identidade.
Fiz essa colocação justamente porque estamos em um momento que deveríamos nos unir e não estarmos nos degladiando, como se não fôssemos um só povo. Se o barco afunda, não importa o timoneiro X ou Y, todos vamos afogar.
A noção expressa pela na palavra Ubuntu está é diametralmente oposta a noção de narcisismo exacerbado ou aos anseios de natureza individualista. Isso não quer dizer que nele esteja prescrito que não devo preocupar-me com os meus desejos e anseios, mas sim que os meus desejos e os da sociedade sejam compatíveis, ainda que diferentes. Nelson Mandela explicava em suas falas isso: Não se trata de não ter desejo, mas sim de que seu desejo contribua para o seu crescimento e o da sociedade.
Note que a percepção do Ubuntu nos torna, segundo a melhor tradução, uma pessoa completa, pois se de um lado existem os desejos do Eu, também devemos ter as necessidades do próximo, para que ele consiga, igualmente a satisfação de seus anseios e os desejos da sociedade. Na verdade, ela reduz, justamente, o egocentrismo do narcisismo e entrega à pessoa uma nova forma de ver o mundo, libertando-a dos rigores da sociedade que, atualmente, é egoísta e centrada na individualidade.
A síntese do pensamento é que o único meio com que podemos nos relacionar entre nós, de um modo eticamente válido, é justamente o que é tão difícil, para o brasileiro. O pensar que é importante olhar para si mesmo, mas também é imperioso que se leve o outro em conta. Faça um simples raciocínio, quantas pessoas você conhece que pediram o Auxílio Emergencial e que na verdade não precisavam do dinheiro?
Na moral contida no Ubuntu, tem-se que o desenvolvimento humano somente faz sentido e goza de validade quando leva em conta os outros no processo. Desta forma, atingir o ideal existencial somente seria possível com o sério aprofundamento com os outros e na comunidade em um processo de imbricamento.
Quando vejo em nossa sociedade o que está acontecendo, lembro-me de meus escritos nos primeiros dias da Pandemia, onde dizia eu, que bom que vamos acordar e, agora, vamos agir como sociedade. Nunca em nossa história tivemos que agir enquanto sociedade, como irmãos, pensando em nós e nos outros.
Agora, quase 70 dias, após o início, vejo que eu não poderia estar mais errado. Tenho percebido é uma disputa egóica e, mesmo sendo mineiro e com orgulho de ter nascido Serra da Mantiqueira, vejo com admiração que, somente no sul, especialmente no Rio Grande do Sul, podemos ler em seu hino:
Mas não basta, pra ser livre
Ser forte, aguerrido e bravo
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo
O que vejo, em nossa sociedade, capenga sociedade, é que, em ambos os lados da contenda, pessoas fortes, aguerridas, bravas, prontas para o combate, mas também vejo, infelizmente, a mesma falta de senso de pertencimento em todos eles.
A falta de preocupação com o outro é a maior falha possível na humanidade. Há que se pensar em seus interesses, mas eles não podem ser superiores ao de toda a sociedade. Lembro de McCain quando perde a eleição para Barack Obama, o velho senador dizia: “Ontem ele era meu adversário, hoje ele é meu presidente”.
Não estou defendendo X ou Y, golpista ou não golpista, não estou defendendo ninguém, meu texto é para trazer a reflexão, pois já estamos perto de sermos os líderes em casos, em mortes, em prejuízos financeiros... Minha esperança é que, com essas palavras, traga o leitor para o centro, onde vamos sim defender isolamento, vamos defender juntos medidas econômicas, medicações, enfim, tudo que for necessário para passarmos por esse caos que nos assolou.
Como disse antes, se o navio afundar, todos afundaremos. Está na hora de nos tornarmos seres por pertencer a algo maior, a uma coletividade, pois no dia que descobrirmos como isso é bom, ninguém mais segurará o Brasil e deixaremos de ser o país do futuro para ser o país do presente.
Desculpem o desabafo, mas diante dos recentes acontecimentos, precisava escrever sobre isso. Eu "só existo, porque existimos", só me reconheço devido a alteridade do outro, se o outro não existe, por consequência lógica, ao final, eu também não existirei.
Tenham todos uma boa semana.
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