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Quarta-feira, 15 de Janeiro de 2025
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Lindolfo Hill - um outro olhar para a esquerda 13

NOVOS VENTOS NA POLÍTICA MUNDIAL

Alexandre Müller Hill Maestrini
Por Alexandre Müller Hill...
Lindolfo Hill - um outro olhar para a esquerda 13
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Lindolfo Hill, como comunista convicto, estava pronto para exercer seu mandato de vereador em Juiz de Fora. Porém a liberdade de expressão duraria pouco, embora adotando uma política de colaboração com o Estado, o PCB era acusado de organizar greves contra o governo e a carestia. Em março de 1947, os ministros do exterior das quatro nações vitoriosas da Segunda Guerra Mundial se reuniram em Moscou. Molotov, Bevin, Bidault e Marshall tentavam acertar os ponteiros. Enquanto Hitler ainda era o inimigo comum, as visões dos adversários não faziam diferença. Tão logo os alemães foram derrotados, reacenderam as diferenças das visões de mundo. O americano George Marshall anunciou um plano para assistência e reconstrução da Europa destruída, que ficou conhecido como Plano Marshall. Pensava-se que finalmente uma proposta construtiva tinha sido apresentada, mas bastou o presidente dos EUA fazer um discurso sobre a criação de um bloco europeu economicamente forte capaz de barrar o avanço do comunismo soviético que a agressividade dos dois lados reavivou a guerra fria com repercussões internacionais. Estados aliados da URSS entravam no Bloco Oriental. Aliados dos EUA entravam no Bloco Ocidental.

Foi criado o termo “cortina de ferro”, pretendendo separar os países capitalistas dos socialistas. Os EUA pregavam abertamente a luta contra o expansionismo soviético, a “guerra fria” e logo o panorama de antisovietismo e anticomunista refletira no cenário interno do Brasil, um brutal contraste com o panorama reinante. No Brasil, os comunistas do PCB ligados a Luiz Carlos Prestes defendiam o caminho do desenvolvimento pacífico de um novo tipo de cooperação, visando a defender os interesses de toda a humanidade. Os EUA anunciaram uma campanha mundial de propaganda contra o comunismo e “convidaram” todos os jornais e revistas de orientação americana para tomar parte dela. Dentro do Brasil, o presidente Dutra adotou uma política de aproximação com os Estados Unidos e passou a perseguir sistematicamente os comunistas.

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Os ventos da história dissiparam o clima de cooperação entre as forças aliadas soviéticas, americanas e outras que tinha sido constituído para derrotar o fascismo na Europa. As máscaras caíram! O que os anticomunistas não sabiam é que uma pessoa só se tornava um comunista quando enriquecia sua memória com conhecimentos das riquezas elaboradas pela humanidade e começava a se deter nas práticas diárias, no convívio com a realidade e com as massas de trabalhadores, utilizando- -se de um senso crítico justo. Nesta época, disparou-se no Brasil uma campanha para desacreditar o PCB, assim os comunistas passaram a ser acusados de “dirigidos por uma potência estrangeira”, “teleguiados de Moscou”, “espiões soviéticos”, “instigadores de lutas de classes”, “fomentadores do caos e da desordem”, “destruidores da civilização ocidental e cristã”, entre outros.

Era um vale-tudo e um deputado federal até entrou então com representação no TSE contra o PCB, alegando que o partido usava símbolos internacionais da foice e martelo e se denominava Partido Comunista do Brasil, desta feita o PCB não seria um “partido brasileiro”, portanto condenável. Mas, baseando- se na linha democrática pacifista do PCB, no dia 7.5.1947, Luiz Carlos Prestes estava seguro que o partido se manteria na legalidade. Porém após uma batalha judicial, o PCB teve seu registro cassado e culminou com o Ministério do Trabalho, decretando a intervenção em cerca de 400 sindicatos. Para surpresa de muitos militantes como Lindolfo Hill, foi de causar estranheza o fato do PCB nem ao menos ter tentado imediatamente se defender pedindo ao Supremo Tribunal Federal que anulasse a decisão de 3 a 2 da corte eleitoral.

A explicação era que o líder Luiz Carlos Prestes confiava que tudo não passava de uma provocação do presidente-general Dutra e que os nove advogados do PCB, liderados por Sinval Palmeira teriam sucesso com o recurso imposto ao STF. Nada adiantou. A ordem judicial de fechamento das sedes partidárias já se cumpriu no dia seguinte e acarretou um corre-corre em todo o Brasil para retirar os fichários e queimar papéis. O PCB tinha se iludido com uma aparente concordância internacional reinante entre a derrota do Eixo nazifascista e o início da Guerra Fria. Os deputados federais do PCB Maurício Grabois e João Amazonas foram à tribuna protestar contra a cassação e pediam a renúncia do presidente Dutra, como fez também Luiz Carlos Prestes. Contrariado pelos acontecimentos e pela passividade da direção do PCB, Lindolfo Hill voltou a morar em Juiz de Fora com a família.

Em reunião realizada na cidade, resolveram continuar os trabalhos do partido, assim formaram uma nova Comissão Municipal do Partido Comunista. As atividades, mesmo que clandestinas, consistiam em militar nos sindicatos como associados, ir às portas das fábricas e construções onde conversavam com os operários sobre diversos assuntos do momento. Ainda como suplente de deputado estadual mineiro, Lindolfo Hill foi orador convidado no comício para mais de três mil pessoas organizado pelo Partido Socialista Brasileiro em Nova Lima - MG no dia 19.6.1947. Na ocasião, Hill aclamou apoio para declaração de ilegalidade do fechamento do PCB, exigindo também a renúncia do presidente “ditador” general Eurico Gaspar Dutra.

Mas era o próprio presidente-general que em setembro pressionava o Congresso para cassar os mandatos dos parlamentares comunistas. Em 27.10.1947, o senado aprova o projeto de cassação dos mandatos dos parlamentares eleitos pelo PCB. Ao mesmo tempo o Brasil rompe as relações diplomáticas com a União Soviética. Em Juiz de Fora, os trabalhos da Câmara Municipal tinham sido interrompidos truculentamente com o golpe de 10.11.1937 e “mantida” fechada por 10 anos, desde sua última sessão em 8.11.1937. Reabrindo em sessão solene somente em 8.12.1947 para dar posse aos vereadores eleitos: Lindolfo Hill, eleito pelo PTB, foi um dos vereadores empossados nessa ocasião. A qualidade dos vereadores daquela legislatura foi considerada muito boa e os debates interessava aos cidadãos. Lindolfo Hill era o representante dos operários e considerado um dos melhores da Câmara Municipal de Juiz de Fora.

A cassação do registro do PCB acabou causando embaraços para o PTB, que assumiu o papel de agremiação política mais à esquerda do espectro partidário do Brasil da época.158 O PCB tinha conseguido eleger, em todo o Brasil, 250 vereadores em diversas legendas, sendo 150 somente no estado de São Paulo. Mas logo veio a exclusão dos comunistas do sistema político-partidário brasileiro no dia 7.1.1948, quando o Congresso aprovou a cassação dos mandatos de todos os parlamentares do PCB que tinham sido eleitos nas eleições anteriores. Seguindo suas convicções comunistas, no plenário da Câmara Municipal de Juiz de Fora, no dia 8.1.1948, Lindolfo Hill tomou a palavra pelo PTB, protestou e condenou a cassação do mandato dos comunistas. Além disso, acusou o governo federal e a própria pessoa do Presidente da República, ato que desencadeou apartes violentos com o vereador Abel Rafael Pinto, o qual defendia a cassação dos comunistas. As posições integralistas de Abel confrontavam diametralmente com ideias comunistas de Lindolfo. 161 As posições dos dois se acirraram, Abel tinha nascido em Paraíba do Sul (RJ) e era filho de comerciante e delegado de polícia radicado em Juiz de Fora. A violência contra o PCB continuou em todo o país e no Rio de Janeiro, no dia 8.1.1948, o delegado Fredgard Martins com sua tropa invadiu a sede e oficina do jornal Tribuna Popular na rua do Lavradio, cumprindo ordem do ministro da justiça que alegava ser o jornal “órgão extremista”.

Em Juiz de Fora, Lindolfo Hill já se mostrava um vereador combativo em pouco tempo de trabalho. Idôneo e preocupado com o bem público, mesmo sendo representante do PTB ele não se esqueceu de levar para o plenário da Câmara Municipal de Juiz de Fora suas ideias e seus ideais comunistas. Já nas primeiras sessões Hill foi eleito para a comissão de Obras Públicas e Viação, junto a Wilson de Lima Bastos e Irineu Guimarães, este último também comunista eleito pelo PTB. Na época, Juiz de Fora era um dos mais expressivos centros fabris de Minas Gerais e irradiava para toda a Zona da Mata as ideias comunistas. Hill já comandava também o movimento operário em Cataguases, Leopoldina, Além Paraíba, Santos Dumont e Barbacena, mas no cenário mineiro do PCB, o município de Juiz de Fora era uma exceção.

Com algumas indústrias de peso e influenciada pela proximidade com a capital Rio de Janeiro, a sociedade da época era culturalmente “arejada” e a imprensa local contava com alguns companheiros de Lindolfo. Além destes “fatores de ponta”, a cidade já somava uma certa tradição em defesa dos trabalhadores, graças às atividades dos militantes iniciais, como o combativo Luiz Zuddio. Lindolfo sabia que a luta era árdua, pois desde a virada para a república, a elite de Juiz de Fora e Região, que concentrava 29 Barões e Viscondes (29!), herdara a cultura da oligarquia cafeeira e escravagista. Com a decadência da cafeicultura essa mesma elite mudou seus investimentos para o setor fabril e acabou emprestando a Juiz de Fora seu famoso charme de Juiz de Fora.

Na visão dos comunistas e trabalhistas, desde o fim da monarquia, do ciclo do café e o fim da escravidão os trabalhadores de Juiz de Fora vinham sendo muito mal tratados e sacrificados pelas indústrias tradicionais. Essas seguiam o padrão da época, manter os trabalhadores na condição de explorados. Padrão também se repetia nas outras cidades industriais da região. Com a estrutura do partido comunista, Lindolfo Hill apoiava pessoalmente os movimentos de luta de classe e a formação de novos núcleos e células do PCB. Foi nesta sociedade com luxo, mas com enormes desigualdades e exclusão social que Lindolfo Hill e seus camaradas lutavam pelos direitos dos proletários. Sempre que Hill e Guimarães ficavam sabendo de uma greve ou luta de classe – em um verdadeiro trabalho de formiguinha – lá iam os líderes se informar, apoiar, ficar na porta dos estabelecimentos e indústrias, conversar com os operários e denunciar os abusos.

Sempre contra as oligarquias e a favor dos oprimidos! Foi assim que o decidido Lindolfo Hill conseguiu alcançar o apoio do proletariado local. No tempo em que estiveram ativos como vereadores entre 1948 e 1950, Lindolfo Hill e Irineu Guimarães lutaram na Câmara por condições de vida. Eles entraram com diversos pedidos ao executivo: capinas, manilhamentos, canalização, saneamento básico, abastecimento de gêneros alimentícios, transporte urbano, construção e manutenção da rede de esgoto, coleta de lixo, melhores salários, serviços de topografia, condições das calçadas, calçamentos de ruas, plano de igualdade urbana, linhas de bondes, águas pluviais, entre outros. O foco dos comunistas era sempre em busca de melhorias para os mais necessitados da municipalidade.

Lindolfo Hill subia na tribuna da CMJF, tomava a palavra e intercedia contra a cassação de direitos políticos em todo o território brasileiro, pedindo que respeitassem a constituição federal e o regime democrático. Depois da histórica enchente de 1940, que assolara a região da cidade em torno do Rio Paraibuna, a municipalidade tinha construído a Vila Operária (atual bairro Furtado de Menezes) para abrigar as vítimas da catástrofe. Em 1948, o atuante vereador Lindolfo Hill entrou com pedido de melhorias para essa comunidade. A solução da época foi a retificação das curvas e o desassoreamento do rio que inicialmente emprestou seu nome para esta cidade, Santo Antônio do Parahybuna. Em 1949, quando o bairro Costa Carvalho sofrera com o lamaçal causado pela retificação do rio Paraibuna, Hill entrou com pedido de providências do executivo municipal para resolver as dificuldades. Ainda neste ano pedira providências para envio de medicamentos para o Posto de Segurança e Higiene do Trabalho da cidade.

Lindolfo seguia combativo e pedia informações ao prefeito sobre o pagamento do devido descanso semanal dos empregados da prefeitura. Além disso lutava para que os salários dos operários trabalhadores da Prefeitura pudessem ser aumentados, tendo em vista que com o elevado custo de vida e os descontos o salário não atingia 550 cruzeiros e não era suficiente para se manter uma família. Em uma proposição de se introduzir uma foto do Bispo Dom Justino José de Santana na CMJF, vários vereadores foram contra a ação, alegando que isto não poderia ser feito, enquanto o homenageado fosse vivo. Nesta ocasião, Hill se levantou e mostrou sua grandeza. Mesmo sendo ateu, pediu a palavra e se pronunciou argumentando que o caso deveria ser tratado administrativamente e internamente, pois esta discussão aberta e pública feria e expunha a autoridade eclesiástica da cidade. Com base neste episódio, era sabido que Hill sempre alinhava um discurso atento, contra as ofensas, a favor dos direitos humanos, defendendo a dignidade da pessoa e se posicionando com respeito das autoridades.

Lindolfo Hill viveu em uma época na qual a sociedade passou a viver com um espírito de solidariedade aflorado e em contrapartida ao desenvolvimento industrial se despertava para os direitos sociais e justiça social. Como intelectual, Hill não precisava se subordinar a eventuais maiorias, pois acreditava ser próprio da democracia que as minorias não sejam obrigadas a se calarem diante das vontades da maioria. Ela entendia que o jogo democrático é assim mesmo, as minorias se tornam maioria e a maioria se torna minoria. Seguindo seu coração e convicção, Hill não admitia mais ver meninos negros capinando as ruas em trabalhos forçados, sem horário de trabalho, somente por não terem pai nem mãe. Atento a esta situação, uma das intervenções clássicas e históricas de Hill foi em relação à Chácara dos Menores - Granja Escola, depois Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (FEBEM), localizada no bairro Linhares.

Na época, os meninos órfãos eram levados para a cidade, com pequenas picaretas, com a tarefa de limpar o mato das ruas e praças do centro. Hill se comoveu ao ver os responsáveis em atitudes de “feitores”, como se os meninos fossem escravos, dando tapas e desrespeitando os jovens, sempre negros, por infelicidade e injustiça histórica da escravidão. Além disso, os meninos partiam da Chácara em carroças ou a pé para irem ao centro e não tinham horário para pararem de trabalhar. Essas imagens dos meninos sofrendo maus-tratos e sendo punidos com demasiado rigor pelo inspetor Luis Viana, um dos responsáveis, chocavam Hill. Foi nessa fase de uma sociedade em transformação que os comunistas sempre se levantavam imbuídos de solidariedade e protestavam contra os opressores e quem faltasse com o respeito.

No plenário da Câmara, o vereador Lindolfo Hill reclamava que aquelas crianças deveriam ser assistidas e não colocadas para trabalhar como escravos. Protestou contra estas práticas e as condenou veementemente! O tema foi publicado nos jornais da época e virou assunto das conversas na cidade. Junto com Irineu Guimarães, Lindolfo Hill conseguiu em plenário vencer com uma iniciativa para o fim da prerrogativa da Prefeitura de impor aos meninos da Chácara dos Menores a obrigação de capinarem as ruas da cidade sem qualquer benefício ou remuneração. Eles somente recebiam o asilo. Foi com base nos protestos dos vereadores Hill e Guimarães que este resquício de “escravidão” foi abolido de Juiz de Fora.

Hill acreditava piamente e por isso conseguia passar a ideia que: “Somente o comunismo com sua luta de classe poderia eliminar desigualdades e as grandes diferenças sociais”. Com esta convicção, ele inspirava junto com Irineu Guimarães os acalorados discursos na Câmara dos Vereadores. Somava-se que o professor Irineu como uma pessoa de fé metodista, tendo sido educador de várias gerações, humanista e ex-reitor do Instituto Granbery, integrava em suas falas no parlatório da CMJF atitudes com um sentido comunista-religioso aliado com os ideais dos grandes pensadores norte-americanos como Jefferson, Emerson e Lincoln.

O cristão socialista Irineu Guimarães também pagou caro por sua ousadia e vanguardismo de sonhar com um mundo novo, para o qual acreditava que deveríamos nos preparar com uma proposta socialista na educação. Eram visões que Irineu aplicava no Instituto Granbery de Juiz de Fora, berço do metodismo no Brasil, visando à formação de “pessoas” com base nos ideais liberais norte-americanos. Como professor, Irineu procurou passar para seus alunos a dimensão marxista da realidade, a análise da mesma em sua totalidade em busca de uma ação, objetivando a transformação da sociedade.

Além de intelectual e político, o vereador e professor Irineu Guimarães era sócio da Livraria Castro Alves, acreditando na cultura como mecanismo de transformação. Numa época em que, sem a influência da televisão, os debates da CMJF eram muito concorridos e toda a mídia brasileira jornais Correio da Manhã, Correio da Noite, Diário de Notícias, Jornal do Brasil valorizavam o tema ideológico, entre outros. As mídias chegavam até a excitar os debates em Juiz de Fora, que apresentava uma Câmara Municipal com vereadores muito intelectualizados. Hill e Guimarães tinham consciência de que faziam parte de um grupo minoritário na CMJF, assim utilizaram o parlatório como “trincheira de debates” e muito ativos davam voz aos trabalhadores e minoritários. Lindolfo Hill foi protagonista dessa fase na cidade em que as pessoas tinham como programa o costume de ir até a Câmara dos Vereadores assistir aos debates. Depois destes 10 anos sem liberdade legislativa, as atividades dos vereadores eram marcadas por uma densidade ideológica profunda.

A partir de 1947, com essa nova liberdade, o povo se interessava pelos assuntos do legislativo e lotava as sessões, principalmente quando os “apartes acalorados” aconteciam entre o Abel Rafael e Lindolfo Hill. Os grandes debates e as discussões em Juiz de Fora eram travados pela polarização. De um lado o trabalhista-comunista Lindolfo Hill, que junto com Irineu Guimarães, defendia as lutas de classe e a justiça social, do outro lado Abel Rafael Pinto com suas ideias integralistas dos republicanos. O partido integralista que se denominava modernista-reformista exibia em sua bandeira o lema “Deus”, “Pátria” e “Família”. Era a versão nazifascista cabocla brasileira, inspirada no fascismo italiano. A Ação Integralista Brasileira (AIB) era um movimento ultrarreacionário no Brasil idealizado para abrigar o ideário fascista, criado na cidade de São Paulo em 7 de outubro de 1932 por Plínio Salgado. O ideário dizia que: “A doutrina fascista estabelece o Estado como espelho perfeito do homem, como a própria ampliação do indivíduo”.

Na contextualização política, o Integralismo tinha sido criado para formar um grande movimento nacional fundamentado no latente nacionalismo da “brasilidade integral” com objetivo claro de colocar a religiosidade espiritual como elemento central do discurso conservador radical. Acreditavam em Deus, dirigindo o destino dos povos, a pátria como o “nosso lar” e a família como “início e fim de tudo”. O Integralismo impunha ao militante um modo de ser, de se comportar, de falar, de vestir, de andar, de casar-se e de morrer. Além disso, o AIB foi o partido fascista com maior sucesso fora da Europa e defendia um cristianismo radical que tinha sido liquidado nos anos 30 pela ditadura comandada por Getúlio Vargas.

Conhecido ex-militante da AIB, em Juiz de Fora Abel Rafael Pinto defendia ideologicamente a propriedade privada, o moralismo, valorizava o nacionalismo, o princípio da autoridade, a estrutura hierárquica da sociedade, o liberalismo econômico e principalmente combatia o comunismo; representado na política local pelas lideranças Lindolfo Hill e Irineu Guimarães. No plenário da Câmara Municipal Lindolfo travava constantes lutas contra o nazifascismo de Abel Rafael Pinto. Os embates atraiam o povo e os ânimos esquentavam. Lindolfo Hill, com sua voz grossa e bem forte, lia da tribuna as mensagens do Partido Comunista e de sindicatos de orientação comunistas. É claro que Abel não concordava com os discursos de Hill e com seu autoritarismo queria cassar o direito de fala de Hill. A polarização era evidente, os ânimos esquentavam e o público adorava! Mas jogaram água fria na fervura. A partir da redemocratização em 1947, era o repórter Almir de Oliveira quem cobria todos os debates diários na Câmara Municipal e escrevia em sua coluna no Diário Mercantil.

Almir, em conversa com Abel Rafael, perguntou-lhe: “Sabia que você está fazendo muita propaganda do Lindolfo Hill?”. Com aquele jeitão peculiar Abel quis saber a razão e Almir respondeu: “Você provoca o Lindolfo Hill do Partido Comunista. Você entra na conversa dele e alimenta o debate. Cada um com a voz mais forte que a do outro no embate, até lá da rua o pessoal escuta a barulheira e sobe curioso para assistir. Com sua atitude o Lindolfo Hill recebe o que ele quer: o público!”. Abel reconheceu que era verdade e, depois de alguns calorosos embates, mudou estrategicamente seu comportamento. Em silêncio ouvia sem comentar as falas de Lindolfo Hill, que fazia suas leituras comunistas e inflamadas. Hill aguardava a reação, que não mais vinha, e ia sentar-se sem que houvesse qualquer barulho na Câmara. Uma grande decepção dos expectadores curiosos!

Em 1948, Lindolfo e a esposa Carmen, ainda morando em Juiz de Fora, ganharam a quarta filha Vera Lúcia Hill. O já vereador Lindolfo requereu e entregou à CMJF seu certificado de reservista recebido em 26.2.1948 o de 3a. categoria n. 540.493 expedido pelo chefe da 12a. C.R. da 4a. Região Militar de Juiz de Fora. Mas a tranquilidade da família estava ameaçada. Com o retorno do PCB para a ilegalidade política todas as ações do partido eram monitoradas pelo DOPS de Minas Gerais, que também vigiava o convicto vereador Lindolfo Hill. Em uma destas ações fizeram apreensões de documentos na capital Belo Horizonte, nos comitês do PCB de várias cidades em Minas Gerais e também em Juiz de Fora.

A rotina dos comunistas, suas ações e dificuldades eram relatadas pelos oficiais designados ao trabalho de vigilância à paisana ou infiltrados na facção política. Eram também foco do monitoramento todas as pessoas que, devido ao envolvimento em ações de cunho político e social, eram classificadas como subversivas pelos agentes do DOPS. Um dos principais objetivos da Polícia Política era realizar o monitoramento das organizações de esquerda, dos boletins e dos informes que apresentavam com riqueza e detalhes informações sobre quem eram os membros do PCB em Minas Gerais. Eles expunham também a composição dos comitês, demonstravam os elementos mais atuantes na organização e as dificuldades operacionais do partido, bem como a disposição hierárquica dos membros da organização. Alguns agentes secretos chegaram a estabelecer relações bem próximas com os comunistas, participando de reuniões em células e comitês. Alguns “espiões do sistema” conseguiram frequentar até as residências dos “suspeitos”.

Durante o tempo em que tiveram seus mandatos, os comunistas Lindolfo Hill e Irineu Guimarães assinaram juntos vários projetos e indicações, entre os quais uma solicitação para que o prefeito estudasse com urgência a possibilidade de conceder aumento de salários aos operários trabalhadores da prefeitura e um pedido de aprovação do projeto que suspendia a ação de despejo por um ou dois anos. Na sessão da CMJF, do dia 5.10.1949, a pedido do amigo e vereador do PTB Irineu Guimarães, o presidente em exercício da CMJF, Hildebrando Bisaglia, enviou telegrama ao governador Milton Soares Campos, endereçado ao Palácio da Liberdade na capital Belo Horizonte. No texto, reitera o protesto contra a PMMG que tinha tentado prender violentamente o vereador Lindolfo Hill sem que tenham sido preenchidas as formalidades legais e pede ao governador, como chefe da Polícia Militar, que pare com estes desvios das normas democráticas constitucionais para que Minas Gerais continue a ser apontada como refúgio da liberdade civil do povo brasileiro. Eram os primeiros indícios que a liberdade de expressão começava a ser novamente ameaçada.

As atividades de Hill eram intensas. Quinzenalmente ou mensalmente, Lindolfo Hill confeccionava o jornal mimeografado O Tecelão junto como José Martins, diretor e tecelão operário da Companhia Moraes Sarmento. O jornal e as atividades dos ativistas vinham sendo acompanhadas pelo delegado de ordem pública José Henrique Soares do Serviço Público do Estado de Minas Gerais. Com prisão preventiva decretada em final de 1949, Lindolfo foi para Niterói e passou a morar na casa de um companheiro e logo, buscando ficar anônimo, mudou-se para a casa de um pedreiro amigo na capital Rio de Janeiro, onde exerceu a profissão nas empreitadas do amigo. Em São Paulo, era Carlos Marighella que em plena clandestinidade atuava como secretário político do PCB paulista. Lindolfo Hill, no Rio de Janeiro, também se viu forçado para a clandestinidade e “evaporou” do convívio social normal.

Durante uns seis meses, Lindolfo ia sempre visitar a família que tinha ficado na cidade mineira de Juiz de Fora. Hill pegava o “noturno” entre Rio de Janeiro e Belo Horizonte, uma maria-fumaça que saia da Central do Brasil e precisava de umas sete horas, se tudo desse certo, o que não era frequente. Ninguém entra na clandestinidade porque deseja. Lindolfo usava esse trem que parava em Juiz de Fora no meio da madrugada na esperança de não ser descoberto pelos militares. Numa destas viagens à cidade natal, Lindolfo foi informado pelo Comitê Central que ele deveria se transferir para São Gonçalo GB, onde sua missão seria se ligar ao PC local. Desde a década de 1940, iniciou-se a instalação em São Gonçalo de grandes fábricas e indústrias em grande escala. No período da Segunda Guerra Mundial, São Gonçalo crescera de forma meteórica, com as grandes fazendas sendo desmembradas, mão de obra barata e abundante e grandes áreas disponíveis.

A proximidade de São Gonçalo com a capital federal (a Cidade do Rio de Janeiro) e capital da Guanabara (Niterói) facilitava o escoamento da produção, tornando-se solo fértil ao seu desenvolvimento. Seu parque industrial se tornou o mais importante da região, o que lhe valeu o apelido de “Manchester Fluminense”. Por estar sempre camuflando seu paradeiro e com toda a pressão política contra os comunistas, Lindolfo Hill aparecia cada vez menos as sessões da Câmara de Vereadores. Em 27.4.1950, em umas de suas últimas lutas como vereador Lindolfo entrou com um pedido de indicação junto ao Sr. prefeito de Juiz de Fora para que determinasse o pagamento dos salários dos operários da Prefeitura com regularidade, evitando o que vinha acontecendo de se atrasar os salários, acarretando grandes prejuízos aos operários.1

No dia 28.4.1950, Lindolfo Hill proferiu seu último pronunciamento, como sempre inflamado! Depois desta data Hill manteve a família em Juiz de Fora, mas praticamente desapareceu das atas das reuniões. Neste ano de 1950, o PCB de Juiz de Fora contava aproximadamente com 514 filiados, mas Lindolfo tinha passado a agir somente nos bastidores na tentativa de manter seu paradeiro em sigilo, protegendo assim também sua família e a esposa que tinha ganhado o quinto filho Aloísio Hill. Os trabalhos para as comemorações relativas ao primeiro de maio de 1950, em Juiz de Fora, dia do trabalhador, eram de grande relevância simbólica para o PCB. Ocasião em que se realizava festividades para reunir em locais públicos centenas de trabalhadores.

Para Hill e seus companheiros era um momento propício para conseguir novos adeptos e distribuir propaganda do PCB, panfletos e jornais. Sempre monitorados pelos agentes investigadores à paisana, com os militantes de Juiz de Fora foi apreendido na ocasião em uma gráfica local o material que o PCB de Juiz de Fora preparara para divulgar nas festividades de 1.5.1950. Lindolfo Hill seguia, divulgando panfletos com orientações claras direcionadas para a classe trabalhadora, visando a organizar-se em prol da constituição de sindicatos críticos. No dia 12.7.1950, o juiz da terceira vara criminal do Rio de janeiro publicou o edital de citação para interrogatórios dos principais líderes do extinto PCB para prestarem depoimento, já que os oficiais de justiça não conseguiram encontrar os citados que teriam que responder por transgressões a vários artigos da lei de segurança. Entre os procurados para interrogatório estava Lindolfo Hill.

Em 28.9.1950, os comunistas foram proibidos de participar de eleições por qualquer legenda e os escritórios eleitorais fechados pela polícia. Como consequência, já em outubro de 1950, Hill e outros comunistas tiveram prisão decretada, devido aos trabalhos de agitação e propaganda. Com um telegrama de Belo Horizonte, a SSP-MG informou a decretação da prisão do comunista juiz-forano Lindolfo Hill: Serviço Radiotelegráfico de Minas Gerais Secretário Segurança Pública. Belo Horizonte. Exmo. Sr. General Chefe de Polícia, comunico vossa excelência que Supremo Tribunal Federal decretou prisão preventiva de Luiz Carlos Prestes bem como seguintes líderes comunistas: Lindolfo Hill, Hermes de Caires, Agostinho de Oliveira, Astrogildo Pereira Duarte, Álvaro Soares Ventura [...]. A pressão aumentava e tendo em vista os “impedimentos” do vereador titular Lindolfo Hill e na sessão de 17.10.1950 a CMJF convocou o suplente Gabriel Gonçalves da Silva a comparecer.

Na sessão do dia seguinte, em 18.10.1950, alguns vereadores ainda declararam estranhar que não tinha ainda sido deliberado sobre a suspensão definitiva de Hill, visto que ele tinha sido condenado por crime inafiançável.196 Diante da investida do presidente Hildebrando Bisaglia sobre a prisão de Lindolfo Hill, o vereador Irineu Guimarães demonstrou alto espírito e sensibilidade política indo ao microfone para traçar algumas considerações sobre o trabalhismo e socialismo, além de alertar ao presidente da Câmara que ele estava esquecendo que sua atitude estava trazendo ao companheiro Hill prejuízos materiais, morais e políticos no final da legislatura. Com um mandado de prisão preventiva “decretada” em 24.10.1950, o plenário da Câmara de Juiz de Fora pode discutir a substituição de Hill por seu suplente. Com sua longa trajetória de ilegalidade, o PCB consolidou a perda de projeção política e social, assim, em 7.11.1950, o descendente de germânicos Lindolfo Hill foi considerado pelo Delegado Geral da Ordem Pública do Estado de Minas Gerais como elemento subversivo e procurado pela polícia. Na verdade, somente um mês depois, em 20.11.1950, a presidência da CMJF foi informada “por ofício” da decretação da prisão preventiva de Lindolfo.

Em 15.12.1950, a CMJF recebeu também ofício do Departamento Federal de Segurança Pública do Rio de Janeiro, informando o fato do vereador Hill responder inquérito policial e já ter sido expedida ordem de “prisão preventiva” contra o vereador. Diante deste fato o suplente de Lindolfo Hill, Gabriel Gonçalves da Silva, foi convocado às pressas pelo vereador Hildebrando Bisaglia e empossado na mesma sessão. Bisaglia (PTB) tinha sido o vereador mais votado em Juiz de Fora e por isso era o presidente da CMJF. Logo em seguida os delatores do exército infiltrados na Câmara Municipal acusaram o vereador Joaquim Henrique Vianna Junior, como secretário da Mesa Diretora da CMJF, de ter aprovado, em 17.12.1950, um voto de louvor ao ex-vereador comunista Lindolfo Hill.

A repressão estava por todo lado, mas nem todos queriam que Lindolfo fosse afastado, no dia 19.12.1950, mesmo sem número de vereadores presentes suficientes para deliberações, o Sr. Ribeiro de Sá fez elogio a Lindolfo Hill, propondo um voto de pesar pelo afastamento do vereador dos trabalhos da CMJF. Na última sessão da CMJF do ano, no dia 29.12.1950, os vereadores deliberaram o pagamento do subsídio relativo à sexta reunião legislativa para Carmen Hill, esposa de Lindolfo, que estava em precária situação financeira após o afastamento do vereador que respondia a um processo criminal. O dinheiro deveria ser entregue ao vereador Gabriel Gonçalves da Silva para que este encaminhasse para a família de Lindolfo Hill. Entre os vereadores que assinaram a ata constava ainda a assinatura de Irineu Guimarães, que mesmo sendo um membro do PCB não tinha ainda sofrido com a repressão.

ARTIGO SEGUINTE - 14 EMPURRADO PARA A ILEGALIDADE

Alexandre Müller Hill Maestrini

Publicado por:

Alexandre Müller Hill Maestrini

Alexandre Müller Hill Maestrini é professor de alemão no Instituto Autobahn e autor de quatro livros: Cerveja, Alemães e Juiz de Fora, Franz Hill – Diário de um Imigrante Alemão, Lindolfo Hill – Um outro olhar para a esquerda e Arte Sutil.

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